Livraria da Folha

 
22/03/2010 - 21h01

"Vítimas fatais" virou lugar-comum em textos toscos da mídia; leia trecho

da Livraria da Folha

Divulgação
Jornalista critica "degradação do português falado no Brasil"
Jornalista critica "degradação do português falado no Brasil"

O noticiário do primeiro trimestre de 2010 começou carregado de tragédias e desastres. Os deslizamentos em Angra dos Reis (RJ), os temporais em São Paulo, o terremoto no Haiti , a enchente em Machu Picchu, no Peru, e o terremoto no Chile são alguns exemplos.

Escrever sobre fatos inesperados é um prato cheio para erros. No livro "A Imprensa e o Caos na Ortografia", o jornalista Marcos de Castro coleciona "batatadas" da imprensa, além de vícios de linguagem e outros deslizes.

"Batatada é o nome popular que se dá a um erro de linguagem, seja de pronúncia, seja sintático, qualquer tipo de erro na fala ou na escrita", explica o autor na página 141, abrindo o capítulo "Pequeno dicionário de batatadas da imprensa".

Entre os equívocos destacados pelo jornalista, está a expressão "vítimas fatais". Leia abaixo trecho de "A Imprensa e o Caos na Ortografia".

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Atenção: o texto reproduzido abaixo mantém a ortografia original do livro e não está atualizado de acordo com as regras do Novo Acordo Ortográfico. Conheça o livro "Escrevendo pela Nova Ortografia".

Uma expressão que virou uma espécie de lugar-comum em nossa imprensa, tantas vezes aparece, é "vítimas fatais". Se houve um acidente com gente morta, pode estar certo o leitor, os mortos serão sempre citados como "vítimas fatais". Nos textos de jornais e revistas, nas reportagens de televisão, se a expressão virou lugar-comum é porque seu uso está generalizado, os que morrem ainda carregam a infelicidade de se tornarem "vítimas fatais", em toscos textos sobre acidentes de carros, trens, aviões ou incidentes de todo tipo.

A TV Globo, por exemplo, abriu um dos seus noticiários de 30.1.1998 falando das mortes de bebês no CTI neonatal numa maternidade do Rio. Informava a apresentadora que haviam morrido mais três crianças nas últimas horas, "subindo para 10 as vítimas fatais". Ora, dizer ou escrever uma coisa dessas é brigar duramente com o idioma, é ignorar que o adjetivo "fatal" significa "que mata" --e não se pode dizer "subindo para 10 as vítimas que matam", pois as vítimas não matam ninguém, as vítimas morrem.

Acidentes matam, doenças matam. Assim, como fora das redações todo mundo sabe, acidentes é que são fatais, doenças são fatais. "A queda foi-lhe fatal" significa que a queda o matou, portanto, a queda é que foi fatal, não ele, vítima da queda. Ele morreu.

Vítima fatal, portanto, não existe. E, se não existe, por que aparece quase todo dia em nosso noticiário? É aquela história de sempre, da leitura desatenta ou da total falta de leitura. Na imprensa, os veículos lêem-se uns aos outros, o que é louvável, quem trabalha no "Jornal do Brasil" tem de saber o que "O Globo" está dando, quem trabalha na "Folha de São Paulo" não pode deixar de saber o que o Estadão deu. Ruim é que a leitura de todo mundo - de quase todo mundo, se é preciso insistir sempre nas "raras e honrosas" - nas redações se esgote nesse pequeno mundo. A tal ponto que tolices como "vítimas fatais" não saem nunca de circulação no jargão das redações. Ficam como marcas expressivas de uma língua maltratada, para dizer o mínimo, uma língua fechada em seu mundo fechado.

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"A Imprensa e o Caos na Ortografia- Com um Pequeno Dicionário de Batatadas da Imprensa"
Autor: Marcos de Castro
Editora: Record
Páginas: 352
Quanto: R$ 39,90
Onde comprar: 0800-140090 ou na Livraria da Folha

 
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