Livraria da Folha

 
29/03/2010 - 22h24

Cartola consagrou-se mito do samba e da MPB

WILLIAM MAGALHÃES
colaboração para a Livraria da Folha

Divulgação
Com 60 páginas, livro em capa dura traz tudo sobre Cartola, além de CD com 14 faixas
Com 60 páginas, livro em capa dura traz tudo sobre Cartola, além de CD com 14 faixas

Amante do Carnaval, Cartola se tornou um mito do samba e da MPB. Com a morte do avô, o menino Angenor de Oliveira viu sua vida virar de ponta-cabeça. Nascido no Catete, no Rio de Janeiro, em 1908, e morando em Laranjeiras, o terceiro de uma família de 10 irmãos foi obrigado pelo pai a começar a trabalhar cedo, aos 11 anos, tão logo mudou-se para o morro da Mangueira.

Aos 15 anos, trabalhando em uma gráfica passou em frente a uma construção. Viu pedreiros assoviando para as garotas e às vezes se dando bem. Pensou: "isso que é emprego". Passou a trabalhar na obra, como servente. Para que o cimento não caísse em seu cabelo, começou a usar um chapéu coco, ao qual tinha grande apreço. Surgiu daí o apelido que o imortalizou: Cartola.

Foi nessa época que a mãe morreu, fato que contribuiu para que largasse os estudos, tendo concluído a quarta série do que hoje equivale ao Ensino Fundamental. Após uma briga com o pai, acabou expulso de casa. Sem ter para onde ir, farreava ao longo do dia e a noite dormia no trem, viajando entre a Central do Brasil e a Dona Clara.

Quando voltou, o pai havia saído de casa. O jovem, então, cai na vida e passa a frequentar a zona de meretrício. Quedou-se doente, teve gonorreia, cancro duro e cancro mole. Sua vizinha Deolinda da Conceição, de 25 anos, 8 anos mais velha e casada, começou a cuidar de Cartola. Limpava o barraco onde morava e fazia-lhe comida. A mulher se apaixonou e acabou abandonando o marido.

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No final dos anos 20, começou a montar um bloco carnavalesco. Em 1928, foi um dos sete fundadores da Mangueira, escola de samba que desfilaria pela primeira vez no ano seguinte.

Quando começou a tocar os primeiros sambas, este ritmo musical era visto como coisa de malandro e marginal. O primeiro que compôs foi "Chega de Demanda", uma pedido para que os blocos da Mangueira se unissem em uma agremiação maior.

Em 1931, Cartola vende seu primeiro samba, por 300 mil réis, para Mário Reis. A música "Infeliz sorte" foi gravada por Francisco Alves. Em seguida, com Chico Alves gravou "Não faz, amor", "Divina dama", "Tenho um novo amor" e "Diz qual foi o mal que eu te fiz".

Em um concurso realizado em 1935 por um jornal carioca, os leitores deveriam votar em um compositor. Cartola recebeu 2 votos, de seu amigo Noel Rosa. O grande vencedor foi Paulo da Portela. A Mangueira só não apoiou Cartola porque estava em crise, com a doença e morte de Saturnino Gonçalves.

No entanto, dois anos depois, Cartola foi aclamado e ganhou uma medalha de ouro em um concurso de compositores. O evento foi promovido pelo Departamento de Turismo da Prefeitura do Rio de Janeiro. As músicas "Partiu", uma das preferidas do maestro Heitor Villa Lobos, e "Sei Chorar" foram as responsáveis por este título.

Ao longo de 1940, Cartola chegou a participar durante três meses do programa "A voz do morro", transmitido pela Rádio Cruzeiro do Sul. De 41 a 47 só a Portela ganhou os desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro. O período ficou conhecido como "7 anos de Glória". Exceto em 1942, quando ficou em 3º lugar. Em todos esses anos, a Mangueira conquistou a vice-liderança.

Em 1946, aos 38 anos, Cartola foi acometido por meningite. Curou-se no ano seguinte. A recuperação foi tema da música "Grande Deus". Logo depois de ter melhorado da doença, sua esposa, Deolinda, morre. No ano em que a escola de samba Império Serrano estreou e ganhou o Carnaval (1948), a Mangueira ficou em 4º lugar. Foi a última vez que Cartola puxou um samba de sua autoria durante um desfile. Sem a mulher e sem a escola, o compositor "some". Envolve-se com uma mulher chamada Donária.

O músico escondeu-se em Nilópolis e em Caxias. Depois que o relacionamento com Donária chegou ao fim, Cartola compôs a canção "Tive, sim", dedicada a Eusébia Silva do Nascimento, a Dona Zica da Mangueira, sua segunda mulher, com quem casou-se em 1964.

O casal se conhecia desde a infância, mas quis o destino que Zica fosse cunhada do grande amigo e parceiro de Cartola, Carlos Cachaça. Ambos se reencontraram e Zica deu muita força para que o cantor desse uma nova guinada em sua vida.

Após ter sido redescoberto por Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, voltou a se apresentar, cantar em programas de rádio, e restaurantes. No final dos anos 50, com a proximidade das eleições, foi convidado a ser cabo eleitoral. Conseguiu empregos em repartições públicas e, nessa fase, participou do filme "Orfeu do Carnaval".

Cartola foi se restabelecendo, contando com o apoio de Zica e amigos. Em meados dos anos 60, o casal administrou um influente restaurante, que funcionou como ponto de encontro da cena do samba carioca, o Zicartola. O empreendimento durou três anos, até passar para as mãos de João de Barro. Carlota e Zica saíram da experiência tão pobres quanto entraram.

Apesar de seu sucesso - nos anos 30 era chamado de "mito" pela imprensa e nos anos 70 de "mito vivo da música popular brasileira" - Cartola não ganhou muito dinheiro em vida. Seu primeiro LP foi gravado entre os meses de fevereiro e março de 1974, aos 65 anos, após muita insistência por parte do compositor.

Em abril de 1976, foi lançado o seu segundo disco que trouxe um de seus maiores sucessos, "As rosas não falam". A canção foi um "presente de aniversário" que deu a si mesmo, uma vez que a compôs a 3 ou 4 dias de completar 67 anos.

Com o sucesso de seus LPs, Cartola enfrentou uma sequência de shows por diversas cidades brasileiras. Manteve o ritmo de trabalho até o final de sua vida. Dois ou três meses antes de morrer, gravou sua última música, a faixa "Eu sei", de um disco de Alcione.

Faleceu aos 72 anos, doente em uma cama de hospital. Em vida, conseguiu construir uma casa que serviu de residência para sua filha adotiva e outros familiares. Cartola morreu em 30 de novembro de 1980, em decorrência de um câncer. No dia seguinte, seu corpo foi velado na quadra da Mangueira, ao som de "As rosas não falam".

Influência no samba

Cartola nasceu em 11 de outubro de 1908, mesmo ano em que se comemorou o centenário da vinda da família real portuguesa ao Brasil. O nascimento do compositor deu-se pouco depois da morte do maior escritor brasileiro de todos os tempos, Machado de Assis.

A década de 30 foi uma das mais importantes para a carreira de Cartola. Em 1935, o compositor destacava-se como mestre de harmonia da escola de samba Mangueira. Naquele ano, a elite passou a reconhecer as escolas de samba, incluídas no programa oficial do carnaval por iniciativa do prefeito Pedro Ernesto Batista.

No começo da 2ª Guerra Mundial, em 1939, Cartola compõe sambas de inspiração patriota como "Interpretação". Em parceria com Carlos Cachaça compõe "Nazista, quem és?".

O maestro britânico Leopold Stokowski vem ao Brasil e entra em contato com Heitor Villa Lobos, devido a seu vasto conhecimento da música brasileira. Villa Lobos então reúne artistas como Pixinguinha, Jararaca e Ratinha, Janir Martins e Cartola, que conheceu em uma festa nos anos 30.

Na ocasião do encontro entre o maestro polonês e os artistas brasileiros, foram gravadas 40 músicas dos vários artistas. Cartola teve quatro de suas composições gravadas. "Meu amor", "Primeiro amor" (com Aluísio Dias), "Tristeza" (com Orlando Batista" e "Quem me vê sorrir" (com Carlos Cachaça), sendo que apenas esta última entrou para o LP.

Obras consultadas: "Dicionário Houaiss Ilustrado - Música Popular Brasileira", "Cartola Os tempos Idos"

 
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