Livraria da Folha

 
06/04/2010 - 13h11

Para Cid Moreira, notícias que chamam a atenção não são as melhores de se narrar

PAULA DUME
colaboração para a Livraria da Folha

Oitenta e dois anos de vida, 64 de carreira e 27 dedicados ao "Jornal Nacional". A soma pessoal e profissional faz parte do currículo de uma das vozes mais conhecidas do país, Cid Moreira.

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No livro, Cid Moreira conta sobre seu primeiro dia na bancada do JN, histórias curiosas dos bastidores e transformações do telejornal
No livro, Cid Moreira conta sobre seu primeiro dia na bancada do JN, histórias curiosas dos bastidores e transformações do telejornal

No livro "Boa Noite" (Prumo, 2010), Fatima Sampaio Moreira --jornalista e mulher de Cid-- detém-se à vida profissional do apresentador e locutor para mostrar como o menino, que era chamado de "caolho" e que chegou a colocar fogo em uma cadeira na cozinha por odiar que estranhos visitassem sua casa, tornou-se uma das personalidades mais conhecidas do horário nobre da televisão brasileira por quase três décadas.

O casal se conheceu em 3 de novembro de 2000, durante um torneio de tênis no hotel Marina Park, de Fortaleza. À época, a repórter Fatima tinha que acompanhar o desempenho de Cid, um dos participantes do evento. Hoje, ela é assessora de imprensa do marido e o auxilia nos textos e gravações de seu trabalho com a Bíblia.

Em entrevista à Livraria da Folha, Fatima e Cid contaram sobre os bastidores tanto do livro quanto do "Jornal Nacional". Da infância em Taubaté, interior de São Paulo, à bancada do JN, o volume permite com que o leitor conheça a história da comunicação brasileira por meio da trajetória profissional do jornalista.

Fatima, que levou dois anos para compor o livro, mostrou surpresa e também decepção com relação à desproporção entre habitantes e leitores no Brasil. Durante a conversa, disse que após ter finalizado "Boa Noite", Cid lhe contou que apresentou um noticiário tragicômico com Nair Belo. A informação entrará na segunda edição do exemplar.

Cid revelou que, durante a ditadura, narrava textos inconsistentes e que isso chegava a ser ridículo. O apresentador descreveu como surgiu a oportunidade de narrar os textos bíblicos, a ansiedade com o fato das pessoas de um lado do país virem seus conterrâneos e obterem informação simultânea pelo telejornal, o incentivo da leitura dado pelo pai, entre outros assuntos.

Leia abaixo as entrevistas com Fatima Sampaio Moreira e Cid Moreira.

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Livraria da Folha: Você disse que uma tiragem de 12 mil exemplares do seu livro é desproporcional em um país com milhões de habitantes. Gostaria que você falasse sobre essa relação.
Fatima: Essa é minha primeira experiência no mercado editorial. Sinceramente, eu achava que um autor começasse com uma primeira tiragem de 100 mil exemplares [risos]. Pensava assim por causa dos mais de 170 milhões de habitantes no país. Quando soube que 10 mil era um número muito bom, fiquei chocada. Que triste. Não existe melhor índice que esse para medir nosso atraso.

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Fatima Sampaio Moreira e Cid Moreira se conheceram durante um torneio de tênis no hotel Marina Park, de Fortaleza, em 3/11/2000
Fatima Sampaio Moreira e Cid Moreira se conheceram durante um torneio de tênis no hotel Marina Park, de Fortaleza, em 3/11/2000

Livraria da Folha: O país tem mais telespectadores ou leitores?
Fatima: Com certeza mais telespectadores. Deve ser mais simples engolir tudo aquilo que se vê e ouve do que raciocinar para ler.

Livraria da Folha: Quais informações ficaram de fora na edição final?
Fatima: As que ele não me contou e só se lembrou depois do livro pronto. Como, por exemplo, ele me falou que fez um jornal, ao vivo, junto com a Nair Belo. Uma pena. Ele lia a notícia seriamente e ela satirizava ou ironizava. Pode imaginar? Vou falar a respeito na segunda edição.

Livraria da Folha: "Boa Noite" conta sobre a vida profissional e não pessoal de Cid. Foi difícil, em alguns momentos, não mesclar os dados relatados e separá-los?
Fatima: Não, não senti isso. O leitor é que vai poder me dizer se sente essa lacuna. A vida profissional dele é muito rica e dá um livro.

Livraria da Folha: Como hierarquizou as informações e até a apuração para escrever?
Fatima: Minha maior fonte foi o próprio Cid. Eu deixei os textos seguindo mais ou menos como se fosse uma conversa com o leitor e com o Cid. Fluindo entre o passado e o presente, sem muita preocupação em fazer algo cronológico, numa sequência aritmética. Quando a gente conversa, tanto o passado quanto o presente e as divagações entre os dois tempos se confundem.

Livraria da Folha: Pretende escrever outro volume sobre a vida pessoal de Cid?
Fatima: Não. Eu não pretendo escrever outros livros. Essa foi uma boa experiência. Talvez numa segunda edição acrescentar umas e outras coisas, corrigir ali e aqui, mas quero seguir minha vida de forma simples, fazendo o que eu fazia antes.

Livraria da Folha: Qual capítulo do livro lhe deu mais prazer em apurar/escrever?
Fatima: Gostei muito do primeiro. Tentar passar para o leitor como era a infância de Cid e as circunstâncias em que ele vivia me deu prazer. Achei legal também falar dessa fase bíblica. Gosto de apresentá-lo como um cristão que não precisa necessariamente ter aquele estereótipo, e mesmo assim é um bom cristão. Ele toma vinhos, vai a shows, se diverte, joga baralho e tênis, comete enganos etc, mas procura entender o que essa Bíblia está querendo realmente dizer nas entrelinhas. Jesus falava muito de forma simbólica, por isso tocou a tantas pessoas, pois lidava diretamente com o inconsciente delas.

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"As notícias que chamam a atenção não são as melhores de se narrar"
"As notícias que chamam a atenção não são as melhores de se narrar"

Livraria da Folha: Em 27 anos de "Jornal Nacional", teve algum fato que você se negou a narrar, porque o comoveu ou o revoltou?
Cid Moreira: Vontade de me negar não faltava. Na época da ditadura, por exemplo, textos inconsistentes. Chegava a ser ridículo. Mas, todos trabalhavam tristes e sob pressão, angustiados com o censor na sala ao lado.

Livraria da Folha: Qual foi a melhor informação que você teve o prazer de passar para o telespectador ou ouvinte de rádio?
Cid: Completando a resposta anterior, acredito que as Diretas Já. Esse foi um momento de total satisfação.

Livraria da Folha: Você se sente mais à vontade diante das câmeras ou dos microfones [no rádio]?
Cid: Os dois têm o mesmo efeito para mim.

Livraria da Folha: No primeiro dia na bancada do JN, suas expectativas foram superadas ou minimizadas diante da TV?
Cid: Eu trabalhava uns meses antes no "Jornal da Globo", e quando fui para o lançamento do JN, o que causava ansiedade era o fato das pessoas de um lado do país estarem vendo seus conterrâneos e sabendo fatos aos mesmo tempo que eles, e o locutor sendo visto por todo um país. Para a gente da bancada, não era possível sentir o impacto no trabalho. Só nas ruas, fora dos estúdios, que o assédio foi se tornando maior. Sempre levei tudo muito a sério, seja no rádio, nas locuções ao vivo em teatros ou na TV.

Livraria da Folha: Como surgiu a oportunidade para narrar a Bíblia?
Cid: Apareceu quando meu projeto recebeu o aval da Sociedade Bíblica Brasileira, que autorizou o uso da versão da Bíblia na linguagem de hoje.

Livraria da Folha: Enquanto apresentava o JN, teve momentos nos quais gostaria de ser apenas o telespectador e não o apresentador? Poderia descrever um deles?
Cid: Muitas vezes. Quase sempre as notícias que chamam a atenção não são as melhores notícias de se narrar. Imagina narrar a brutalidade com que o jornalista Tim Lopes foi morto?

Livraria da Folha: Você afirmou "como era possível ter vida inteligente antes da internet". Gostaria de saber em quais meios procurava "vida inteligente" antes da aparição da rede: livros, filmes, entre outros?
Cid: Eu li muito desde a minha infância. Para minha sorte, meu pai trabalhou de bibliotecário na escola estadual em que eu estudava. Por esse motivo, ele me incentivava e me ensinou o amor pelos livros logo cedo. Levava livros semanalmente para mim. Eu tinha que ler e devolver impecável. As rádios também tinham uma programação de alto nível, com músicas clássicas etc.

 
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