Pensata

Antonio Carlos de Faria

07/02/2004

A honra do imperador

Enfim uma boa notícia no ano que se inicia. O grupo de leitores dessa coluna cresceu 40% nos últimos meses e já chega à marca heróica de 14 pessoas. Pelo menos é o que informam e-mails recém-recebidos.

Há gente capaz de desdenhar desses números, mas imaginem se o PIB tivesse alcançado pelo menos um décimo desse desempenho. Tudo é uma questão de parâmetros.

Devagar com o andor. Quase que a coluna envereda por assuntos econômicos novamente e os leitores fiéis sabem que esse não é o feitio das crônicas publicadas aqui. Também são raras as referências à política.

No lugar desses temas áridos, a crônica se dá melhor com as miudezas, os pequenos fatos do cotidiano. Porém as tentações são como os buracos de rua: ou nos fazem cair, ou nos obrigam a desvios inesperados. Foi mais ou menos isso o que aconteceu na última semana.

A crônica anterior, seduzida pela tentação do grande tema histórico, tratou do papel mesquinho que a elite brasileira tem na vida do país. Houve fortes reações contra a crítica, das quais falaremos adiante. Por enquanto, vamos aproveitar a volta do assunto para atualizar uma velha anedota.

O Arquiteto fez o mundo em seis dias e no sétimo, depois de descansar, resolveu caprichar um pouco mais no Brasil. Dotou a terra com paisagens celestes, praias paradisíacas e recursos infinitos. Por fim predestinou que o país seria ocupado por um povo maravilhoso, criativo e paciente.

O último adjetivo preocupou o Arquiteto, que então teve uma idéia divina, uma espécie de provação para fortalecer o caráter. Determinou que uma parte desse povo seria constituída por uma elite atrasada, herdeira de uma mentalidade ibérica -pré União Européia-, que sonharia morar em Miami, terra de furacões e maremotos. Ao ver a obra terminada, Ele disse: "Vamos ver até quando vai durar a paciência dos brasileiros".

A paciência do povo, não sei quando vai acabar, mas a de alguns leitores se esgotou com a última crônica. Chegaram a tachá-la de serviço prestado a interesses estrangeiros, ávidos pela desestruturação da sociedade brasileira.

Essa história de culpar interesses estrangeiros pelas mazelas nacionais sempre foi uma besteira que uniu corações à direita e à esquerda no Brasil. Há pouco tempo, o governo militar se justificava como uma defesa contra o comunismo internacional ou contra os desejos de democracia, coisa de gringos para a qual os brasileiros não estariam preparados. Já os partidos socialistas sempre agitaram suas bandeiras para afugentar o FMI, o McDonald´s e o Mickey Mouse.

Enquanto isso, a elite abria garrafas de champanhe e brindava o brilhantismo dos dois lados no debate. Todos estavam certos, desde que não ousassem contestar os seus privilégios. O problema do país é externo, eis uma conclusão agradável aos sucessores e herdeiros espirituais dos traficantes de escravos, senhores de engenho e especuladores com as letras do Império.

Por falar em letras do Império, outro dia aquele dono de botequim que está se arriscando na carreira literária (ler "A pescaria como método") contou que um gajo passou por lá dizendo que compraria remanescentes desses papéis.

Explicou com a maior caradura que pagaria os títulos por um valor simbólico e depois tentaria resgatá-los pelo valor de face, corrigido pela inflação e juros centenários.

Diante do olhar incrédulo da turma do botequim, o comprador afirmou que não via motivo para espanto, pois o governo se comprometeu a pagar direitinho tudo o que deve aos credores e especuladores.

Por que não iria saldar uma dívida assumida pelas barbas do imperador?

A menção às barbas do bom velhinho sensibilizou os ouvintes. Afinal o presente mandatário também tem fios brancos e promessas para honrar.
Antonio Carlos de Faria é jornalista e vive no Rio de Janeiro. Escreve para a Folha Online às quintas

E-mail: acafaria@uol.com.br

Leia as colunas anteriores

//-->

FolhaShop

Digite produto
ou marca