Pensata

Antonio Carlos de Faria

01/08/2004

Mandamentos felinos

Talvez seja um efeito da exibição do filme "Garfield", ou quem sabe uma casualidade, mas vários leitores sofisticados estão pedindo notícias sobre o gato Tico. Vale lembrar que o querido digitígrado foi personagem desta coluna, meses atrás.

Sem querer decepcioná-los, caros leitores, informo que o Tico não viu o filme. Eu vi e, nas vezes em que tentei lhe contar o enredo, logo demonstrou ficar entediado.

Sendo um gato real e não de história em quadrinhos, ele prefere lidar com categorias mais objetivas da vida, como comer e dormir. Não revela interesse pelas produções da cultura humana, a não ser pelas valsas de Strauss, ou por latinhas de atum.

Alguns leitores não se conformaram pela crônica anterior sobre o Tico ter sido uma confissão de minha inépcia em compreender os evidentes saberes que ele tenta transmitir. Pois segue agora uma retificação.

Graças à observação atenta, foi possível elaborar um decálogo do Tico, que pode ser entendido como uma versão felina dos códigos de comportamento.

Cabe ressaltar que concluir essa lista de preceitos só foi possível porque o mestre é indulgente e não se cansa em repetir com paciência aquilo que transcende as limitações do discípulo. Eis então o decálogo do gato Tico:

Primeiro: Ser gentil, jamais servil.

Segundo: Caçar com prazer, mesmo sem necessidade.

Terceiro: Dormir de dia, divertir-se principalmente à noite.

Quarto: Tratar as unhas, manter as garras afiadas.

Quinto: Dar carinho, não só ter intenção de dar ou de receber.

Sexto: Defender o território, entender que o eu vai além do corpo.

Sétimo: Cuidar da higiene, manter a pele bonita, sem deixar o chuveiro aberto.

Oitavo: Comer pouco, mas sempre que der vontade.

Nono: Alongar-se e espreguiçar-se com paciência.

Décimo: Não ligar para a castração. Afinal todos são castrados.

Antes que alguém diga que se trata de mais uma lista de recomendações pretensiosas, fique claro que quem a inspirou nada tem a ver com sua confecção.

O Tico não está interessado em salvar almas, nem quer ensinar fórmulas para perder peso ou ser feliz no amor. Sobretudo ele não é culpado se algum dia tiver seguidores que se transformem em felinos fundamentalistas.

Sobre o conteúdo moral ou ético dos mandamentos felinos, parece ocioso despender maiores comentários, já que moral e ética são produtos da cultura humana que de forma alguma merecem consideração pelos gatos.

Em todo caso, pode-se notar que alguns dos dez preceitos já estão incorporados aos códigos de certas sociedades humanas. Os franceses, por exemplo, tentam arduamente adaptar o sétimo mandamento felino, trocando os banhos por água de colônia.

Já os brasileiros cumprem apenas a primeira metade do primeiro mandamento. São quase sempre gentis. No dia em que deixarem de ser servis, o país mudará radicalmente.
Antonio Carlos de Faria é jornalista e vive no Rio de Janeiro. Escreve para a Folha Online às quintas

E-mail: acafaria@uol.com.br

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