Treinamento Folha   Folha Online
   
Educação
24/06/2005

Íntegra de entrevista: Ziraldo Alves Pinto

Ziraldo é escritor de livros infantis. Formado em Direito pela Faculdade de Direito de Minas Gerais, em Belo Horizonte. Foi cartunista e chargista político. Fundou, junto com outros humoristas, o jornal "O Pasquim". Publicou, entre outros, "O Menino Maluquinho" e "A Professora Muito Maluquinha". Em histórias em quadrinhos, publicou "A Turma do Pererê". Estudou no Grupo Escolar Princesa Isabel (escola pública em Caratinga, MG) e no Colégio Nossa Senhora das Graças (escola particular, também em Caratinga). Tem 72 anos.

Problemas

- falta ênfase no ensino básico

- promoção automática é ruim

- crianças não aprendem a ler

Soluções

- reforma curricular, dando ênfase nos fundamentos (aprender a ler e a fazer as quatro operações)

- acabar com a promoção automática

- escola deveria ensinar a ler e a gostar de ler

Ziraldo concedeu a entrevista por telefone, a caminho de São Joaquim da Barra, onde participaria de feira de livro.

"Sou o não especialista que mais entende de ensino básico no Brasil, porque viajei muito para dar palestras em escolas. Só de capitais, por exemplo, fui em todas. Estou velho, cansado, mas continuo fazendo essas viagens, porque gosto. E eu entendo mais de criança e de escola que outros escritores de livros infantis porque eu faço isso. A Ruth [Rocha], por exemplo, não aguenta fazer isso."

"Foi uma coisa boa isso que o Lula anunciou anteontem [o Fundeb]. Estou pedindo isso ao governo desde o Paulo Renato."

"O Paulo Renato foi o melhor ministro da Educação nos últimos tempos. O ministro desse governo nem fala comigo. Eu quero falar com eles sobre ensino básico, mas eles não querem me ouvir. Daí eu fico falando com a imprensa, tentanto passar meu recado, pra ver se eles me ouvem."

"O Paulo Renato não fez tudo o que eu faria, mas se preocupou com o ensino fundamental, e isso é importantíssimo."

"Falta ênfase no ensino básico. As crianças não aprendem a ler, não aprendem a fazer as quatro operações básicas. É preciso haver uma reforma curricular, voltar a dar ênfase nos fundamentos."

"A reforma mais infeliz foi acabar com os quatro anos primários e os quatro anos ginasiais. Agora é tudo junto, em uma mesma escola, da primeira à oitava séries. Antes, o primário preparava para o ginásio. Agora não há terminalidade. Acabaram as escolinhas da dona Dulce, da dona Judith, que eram só de primário, e onde as professoras se esmeravam para ensinar, para que os alunos aprendessem. Hoje, há muito menos professores que se esmeram, porque não precisa. Com a promoção automática, o aluno vai passar de ano de qualquer jeito. Então não há estímulo para o professor."

"Quando não havia promoção automática, a escola tinha disciplina. Isso foi abandonado para tentar evitar a evasão. Mas não funcionou! O governo deveria proibir o aluno de passar de ano antes que fosse comprovado que ele aprendeu a matéria."

"Hoje é preciso ter ‘professora maluquinha’, professora heróica. Eu conheci muitas, mas é a minoria. Sem professora heróica, o ensino básico não é nada. E isso tá errado. Se é preciso ter heroísmo, é porque o ensino básico está muito errado."

"Uma professora heróica que conheci --essa história é boa-- foi de uma escola do Rio. Eu fui paraninfo de uma turma dessa escola, que era de uma favela do Rio. Acho que era turma de oitava série. Os alunos queriam usar beca na formatura. Tinha umas seis meninas grávidas, e uma que já tinha filho. E os meninos talvez já estivessem no tráfico de drogas. Mas eles queriam usar beca, igual nos filmes americanos que eles viram. Eu fui na formatura, e estavam todos de beca. Depois, olhando mais de perto, vi que as becas eram feitas de papel crepom preto! E sabe quem tinha comprado o papel crepom? A professora deles, com o salário dela de só R$ 350."

"Ler é mais importante que estudar. Um povo que não sabe ler não consegue nem votar. Mas tem professor do ensino básico que nunca leu um livro inteiro."

"Foi na escola que eu aprendi a gostar de ler. Hoje a escola não ensina a gostar de ler. Eu tinha livro de caligrafia! Mas agora livro de caligrafia é brega. E aí a gente vê R maiúsculo no meio da palavra."

"Vai muito dinheiro para a universidade e pouco para o ensino básico. E olha que nem são todas as universidades públicas que são boas. A de Cuiabá é terrível. Mas, realmente, as universidades recebem demais. O aluno custa dez vezes mais na universidade pública que na particular. Quem sabe agora, com esse dinheiro que o governo vai colocar no ensino básico [com o Fundeb], não melhora? Mas é preciso saber aproveitar esse dinheiro, dar ênfase no ensino dos fundamentos. É preciso fazer como a Coréia, que gasta muito com a educação básica. Todo mundo sabe que foi por causa disso que a Coréia foi pra frente. E no Brasil não se faz nada disso."

"O professor também ganha muito pouco. Conheci uma professora em Belém que ganhava o equivalente a 150 dólares. Ela me levou para o aeroporto no carro do marido, porque, com o salário dela, ela não conseguia comprar um. Do aeroporto eu fui pra capital da Guiana Francesa, ali pertinho. E lá conheci uma professora francesa, enviada pelo governo francês, que ganhava dois mil dólares pra fazer exatamente o mesmo trabalho que essa brasileira. Ali pertinho! A França é mesmo outra coisa."

"As piores escolas que eu vi foram no Nordeste, com certeza. O Nordeste é terrível. Tem escola que tem cem professores pra cada aluno. É cabide de emprego."

"Você vai publicar tudo o que eu falei sobre educação, né? É pra isso que eu estou dando essa entrevista longa."
BLOG

BATE-PAPO PRÊMIOS ESPECIAL
Patrocínio

Content on this page requires a newer version of Adobe Flash Player.

Get Adobe Flash player


Philip Morris
AMBEV


Copyright Folha de S. Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br).