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Novo em Folha 42ª turma
29/06/2007

Com fotos, cidade tenta impedir que filhos esqueçam pais

VERIDIANA SEDEH
da EQUIPE DE TREINAMENTO

Homens deixam família durante oito meses para trabalhar em outros Estados e, quando voltam, não são reconhecidos pelos filhos; projeto fotografa famílias e grava vozes para preservar memória e manter vínculo

Emma Raynes/Arquivo Pessoal
Retratos de família feitos por americana tentam preservar vínculo afetivo
Retratos de família feitos por americana tentam preservar vínculo afetivo

O marido de Maílsa Fernandes, 22, não acompanhou a gestação da filha do casal, Júlia, hoje com sete meses. Provavelmente não verá seus primeiros passos. Ele foi para o corte de cana quando Maílsa estava no primeiro mês e só voltou uma semana antes do parto. Meses depois, refez o caminho.

Assim como ele, 2.000 homens deixaram Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha (MG), este ano rumo a usinas de cana-de-açúcar em São Paulo, segundo dados do Sistema Nacional de Emprego (Sine).

Mesmo sem incluir trabalhos clandestinos ou em outros Estados, essa cifra já corresponde a cerca de 20% dos homens com mais de 18 anos idade mínima para as usinas, segundo dados do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) de 2000. O próprio Sine admite que o número real deve ser maior.

Quando voltam, depois de oito meses, esses pais já foram esquecidos por seus filhos. Para tentar manter o vínculo das famílias, a americana Emma Raynes, 25, envia, há um mês, fotografias de crianças de Araçuaí para plantações de cana-de-açúcar nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso e Minas.

Com isso, ela quer que os pais possam acompanhar o desenvolvimento dos filhos

O trabalho também é feito com quem fica. Desde fevereiro, Emma fotografa famílias e grava mensagens dos pais em CD para que as crianças não se esqueçam da figura paterna.

"Vou mostrar sempre a foto do pai para que ela não se esqueça dele", promete Maílsa, mãe de Júlia.

Para desenvolver esse trabalho, a americana conta com o apoio de uma fundação holandesa, que também financia um projeto da ONG Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD), que atua na cidade desde 1998. Trata-se do Cidade Criança (leia texto abaixo), desenvolvido com gestantes e crianças de zero a 6 anos _mulheres e filhos de cortadores de cana.

Emma Raynes/Arquivo Pessoal
Retratos de família feitos por americana tentam preservar vínculo afetivo
Retratos de família feitos por americana tentam preservar vínculo afetivo

Há quatro anos, o marido de Rosalina de Jesus, 30, já não troca sua casa pelo corte de cana. Ele agora dirige o único ônibus que liga a comunidade rural Engenheiro Schnoor, onde moram, à zona urbana de Araçuaí. Mas Rosalina não esquece a solidão que sentiu durante a gravidez do primeiro filho.

"Quando ele voltou, o bebê já estava andando", recorda com os olhos cheios de lágrimas. Na safra do ano seguinte, o marido foi embora deixando-a grávida de seu segundo filho.

Sair de casa rumo aos canaviais não é destino só dos chefes de famílias, mas também dos jovens de Araçuaí a partir dos 18 anos. Por acreditarem que o trabalho nas usinas seja uma das únicas possibilidades de adquirir bens materiais, eles ficam ansiosos para chegar à maioridade.

"Meu filho de 15 fala que está doido para completar 18 anos para ir para o corte", relata Valdenice Maria Alves, 35.

Ângela Maria Moreira, 46, conta que um de seus cinco filhos justifica o objetivo de ser cortador da seguinte forma: "Mãe, você não tem condições de dar o que eu quero. Quero roupa, calçado, até comida, às vezes, você não pode me dar".

O produto mais cobiçado hoje em Araçuaí é a moto.

"De uns cinco anos para cá, virou uma febre. Primeiro foi o relógio, depois, o som. Agora é a tal da motocicleta", relata Celso Silva, 47, que já foi cortador de cana e trabalhou na Secretaria Municipal de Agricultura e hoje dirige um dos projetos do CPCD em Araçuaí, o Caminho das Águas.

As motocicletas chegam na cidade desmontadas, em um caminhão, alguns dias antes dos trabalhadores retornarem.

Por pensarem nas oportunidades que terão no futuro, alguns meninos perdem o interesse pelos estudos.

"Quando digo para meu filho de 11 anos estudar, ele responde 'estudar para que? Sei que vou para o corte. O pai sempre foi''', relata Rosalina.

O trabalho nas usinas nem sempre corresponde às expectativas de quem deixa a família. Ângela diz que dois de seus filhos ligam reclamando que a situação está ruim e que eles estão ganhando muito pouco, menos de R$ 8 por dia. "A gente fica triste, eles saem numa esperança de conseguir comprar alguma coisa", lamenta.

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