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Novo em Folha 46ª turma
11/12/2008

Bairro tem "mini-BC", moeda própria e juros de 0% ao mês

NATÁLIA PAIVA
DA EDITORIA DE TREINAMENTO

A analista de crédito não dá a mínima para Serasa ou SPC: a ficha do requerente é levantada apenas entre os vizinhos.

A "controladoria" se reúne uma vez por mês nos fundos da sede do banco _artesãos, costureiras e comerciantes discutem carteira de crédito, taxa de juros, inadimplência.

Os clientes, ao pagarem contas, costumam usar uma moeda paralela ao real: o palma.

No Conjunto Palmeiras, bairro a 20 km do centro de Fortaleza, funciona o Banco Palmas, primeiro banco comunitário do país, criado em 1998.

Na sala da casa verde e branco da avenida principal, 2 dos 3 guichês atendem aos clientes que vão pagar contas em pleno sábado. Em um dos quartos, funciona a análise de crédito _no outro, a coordenadoria de capacitação profissional. Nos fundos, o salão acolhe reunião de moradores e comerciantes. Na sala de costura, produzem-se roupas da empresa comunitária Palmafashion, vendidas em feiras solidárias.

Jarbas Oliveira/Folha Imagem
Loja materias palma e Palmacard em Fortaleza
Loja materias palma e Palmacard em Fortaleza

Essa mistura de instituição bancária e associação de moradores reúne o que o diretor da Senaes (Secretaria Nacional de Economia Solidária, do Ministério do Trabalho e Emprego), Haroldo Mendonça, avalia como "a imagem da materialização do desenvolvimento local".

O ex-seminarista Joaquim de Melo Neto Segundo único dos criadores do banco a ter ensino superior, teologia conta que a idéia surgiu após duas décadas de mobilizações sociais.

Criado nos anos 1970 por despejados de áreas nobres da cidade, o bairro foi construído em regime de mutirão. A água encanada, por exemplo, só chegou em 1987. Depois do mínimo de urbanização, a pergunta: "Por que somos pobres?".

Na época, 1997, fizeram pesquisa entre moradores e descobriram que quase R$ 2 milhões eram gastos por mês. Mas o dinheiro não aquecia a economia local porque as compras eram feitas em outros bairros.

Cerca de 90 assembléias depois, chegaram ao formato de um banco que emprestasse para produção e que estimulasse o consumo no próprio bairro.

Um sapateiro, uma costureira, um peixeiro, um cabeleireiro, o dono de um frigorífico e uma vendedora de roupas foram os seis primeiros clientes que pediram empréstimo ao banco, que começou com carteira de R$ 2.000, emprestados por uma ONG cearense. Dos 6, 2 progrediram, 3 continuaram na mesma e 1 mudou-se dali.

Um dos bem-sucedidos foi Nazareno Constantino de Sousa, o "Naza", 34, que até então cortava cabelos em casa. Com os R$ 300 emprestados, alugou o primeiro ponto e comprou um secador. De lá para cá, houve mais dois empréstimos, duas mudanças de ponto e um Renault 1.0 de segunda mão.

O Naza Studio 54, agora na rua Campinense, é um gabinete cor-de-rosa com espelho largo e computador com tela de LCD, onde um slide show mostra fotos de clientes. Em janeiro, Naza pretende pedir mais R$ 6.000, a juros de 3%, para renovar o lavatório e a decoração. Seus clientes, diz, podem pagar corte ou chapinha em palmas.

"Aceitamos palmas"

Desde a criação da moeda, o Frigorífico Ivan passou a aceitar pagamentos em palmas. Seu dono, Francisco Teodósio Nascimento, 58, trocava o dinheiro paralelo por reais, na sede do Palmas. Hoje, troca-o por cereais, açúcar, café _outros comerciantes fazem o mesmo, comprando suas carnes e frutas. Resultado: o palma circula, não volta para o banco.

Mais de 240 negócios do bairro aceitam o palma e pelo menos 20 dão descontos. Até 2001, para garantir a circulação de riqueza no bairro, funcionava apenas uma espécie de cartão de crédito sem banda magnética o Palmacard, mais próximo a uma caderneta de venda fiado. Mas o palma tem vantagem: faz os ativos circularem.

No Conjunto Palmeiras, a <bf>Folha<xb> apurou que a moeda ainda representa pouco, para os negócios: 1% do arrecadado pelas vans, menos de 5% do faturamento do posto de gasolina, 15% das vendas do mercado vizinho à sede do banco.

Para Mendonça, a ausência do poder público como indutor justifica o suposto baixo uso. O economista belga Bernard Lietaer concorda e diz que a melhor forma de governos estimularem as moedas é aceitando-as no pagamento de impostos. Argumenta que o sistema palma ainda é novo, e adquirir confiança do bairro leva tempo.

Banco de R$ 1 milhão

Em São João do Arraial (146km de Teresina), até dezembro de 2007 os 7.000 moradores tinham de andar 38 quilômetros até o município vizinho para pagar contas. Após uma visita ao Banco Palmas, a associação de quebradeiras de coco e representantes da prefeitura, da igreja e de sindicatos resolveram criar um parecido.

Com carteira de R$ 30 mil, administrados a partir do fundo de R$ 1 milhão do Instituto Palmas (criado em 2003 para difundir a "metodologia Palmas") e outras parcerias, o Banco dos Cocais já cedeu 74 empréstimos, em reais e cocais.

O prefeito Francisco Limma (PT) paga até 25% do salário dos funcionários na moeda paralela. Da sede do banco, na avenida principal da cidade, a coordenadora Kellen Barros diz que já existem 16 mil cocais em circulação, e pelo menos 50 negócios já aceitam a moeda.

Desde 2005, 32 bancos semelhantes aos Cocais, inspirados no Palmas, foram criados no Brasil _um deles na região quilombola de Alcântara, no Maranhão; outro, por costureiras da periferia de Vitória, no Espírito Santo. Todos a partir da parceria entre Senaes, Banco do Brasil e Instituto Palmas. Até o fim de dezembro, mais dez devem ser inaugurados.

Melo Neto Segundo, hoje diretor do Instituto Palmas e da Rede Brasileira de Bancos Comunitários, afirma que os bancos comunitários se fortalecem no vácuo do sistema bancário. "Mais da metade da população do Brasil sequer conhece o sistema", calcula. Nem o BC nem a Febraban tem o número de brasileiros sem conta bancária.

O BC não regulamenta os bancos comunitários nem as moedas sociais, já que nem um nem outro tem fins comerciais. Por enquanto, há estudos em andamento a fim de criar um marco regulatório. Uma proposta é o projeto de lei complementar 93/07, da deputada Luiza Erundina (PSB-SP), que tenta criar um subsistema nacional de finanças populares.

Lançado oficialmente em março, o Programa Nacional de Apoio aos Bancos Comunitários, da Senaes, pretende implantar 150 bancos comunitários em 2009 e 2010, todos no estilo Palmas. As comunidades beneficiadas vão ser escolhidas a partir do mapa da violência feito pelo Ministério da Justiça.

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