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20/06/2004

Íntegra: Entrevista com Alberto Quevedo

Entrevista com Alberto Quevedo, sociólogo e professor da Flacso (Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais), em Buenos Aires

O que Maradona representa para a Argentina?

É o maior ídolo argentino vivo. Foi o jogador de futebol mais importante da história argentina, além de ter cumprido o sonho argentino, de ganhar um mundial, de vencer a Inglaterra, de fazer o gol mais bonito... Além de ter sido o primeiro ídolo global. Para comparar com Pelé, que teve seu auge nos anos 60 e 70, sem a mundialização das comunicações. Há um pacto de amor incondicional entre o torcedor argentino e ele. Esse é um ponto. Mas há outros componentes que o tornam muito interessante como personagem. Ele realizou outro sonho argentino, o de sair da pobreza e alcançar a glória mundial. Tem um perfil muito valorizado na Argentina, que é o de ser contra os poderosos. Ele jogou no Napoli, que era a equipe mais pobre, do sul da Itália, e ganhou de todo o Norte, do Milan, Inter etc. Ele foi bastante menosprezado por essas equipes, foi campeão com um time pequeno, que hoje aliás joga na terceira divisão. Ele se opôs ao poder da Fifa, não bajulou os grandes do futebol, fez a tatuagem de Che, mora em Cuba, admira Fidel, enfim, tem essa coisa de rebeldia, anti-establishment, de um humilde que vai longe, que denuncia a corrupção... Mas há dois Maradonas. Um negativo e um positivo. Há o que se droga, eu diria o Maradona "do excesso", soberbo, que vive falando e opinando sobre tudo, que tem um sobrepeso incrível. Há o excesso também no consumo de drogas, ele não somente as consome como também já teve muitas crises por isso. E foi muito contraditório, muita gente ainda não perdoa suas relações com Carlos Menem, ainda mais em uma época de muita corrupção no governo. Um Maradona muito fã do Boca [Juniors], que vai ao estádio e faz um palco da tribuna do Boca e então se torna muito antipático para o resto do futebol, porque o Boca é um time muito popular, mas o resto das equipes os odeia. Houve muitos torcedores que foram à clínica render-lhe homenagens, que se solidarizaram com ele. Porque se há uma coisa que todos os torcedores de todos os times reconhecem é que ele foi o maior, o que nos deu as maiores alegrias. O amor que há por Maradona é meramente futebolístico, porque se fosse por seus outros aspectos, seria difícil ser maradonista. Esse é o Maradona histórico. Mas há um Maradona atual, que esteve bastante ausente, porque ele viveu bastante em Cuba.

Por que ele foi a Cuba?

O que mais se diz por aqui é que em Cuba ele não está em uma clínica, está em um spa, onde tem campo de golfe, e golfe tem sido a paixão de Maradona nos últimos tempos. Aqui ele é perseguido, acossado e criticado pela imprensa, é muito difícil viver na Argentina para ele. Em Cuba ele vive numa espécie de reserva ecológica maradoniana, além de ser amigo do presidente, tem essa coisa de ter poder. Se vivesse no Brasil, nos EUA ou na Espanha provavelmente ele não estaria tão próximo ao poder como está em Cuba. Fidel o recebe quando quer, diz que é sua casa.

Qual a relação atual entre Maradona e a Argentina?

O Maradona atual vem sendo visto em sua queda. É um homem jovem, mas o deterioramento que sofreu nos últimos tempos, depois do mundial de 94, foi terrível. De certa forma, eu acredito que a Argentina está se despedindo dele. Há muito de piedade com relação a ele. Na sua despedida do futebol no estádio do Boca [em 2001], ele se mostra em carne viva, diz que cometeu erros, mas que pagou por eles, e diz a famosa frase "La pelota no se mancha", que quer dizer mais ou menos, "eu consumi drogas, me tiraram do mundial de 94, sou o Maradona do excesso, mas salve o futebol, não manchem o futebol". É um apaixonado pelo esporte, como os torcedores querem que os jogadores sejam. Eu diria que nos últimos tempos há mais um sentimento de piedade diante de um homem que está demoronando. Na porta da clínica havia muita gente, houve uma sensação de que ele nos estava deixando e que as pessoas pensavam "ele nos deu tanto, que não podemos deixá-lo sozinho."

O que se pode, ainda, esperar dele?

Que esteja bem, que viva bem e são, e que possa desfrutar de sua vida com um grau de saúde que hoje não tem. Alguém poderia dizer, "se ele buscou essa vida, que morra então, porque assim quis". Mas esse juízo de valor não existe, nunca escutei nada assim, em nenhum meio de comunicação. Há um desejo de que viva, e em paz, mas também há o desejo de que se cale, que deixe de ser o centro de tantas polêmicas, ele fala de tudo, se mete em todos os assuntos, aonde vai é um escândalo, briga com seu sócio [Coppola] e tudo isso se transforma em um novelão. Enfim, que ele cresça. Mas é muito difícil que isso aconteça com um homem que viveu uma vida a qual ninguém pode imaginar, porque o que aconteceu e acontece a ele é algo que, como experiência humana, é difícil de imaginar. AArgentina está cheia de histórias de gente que foi a África e que, não sabendo como se comunicar, disse a palavra 'Maradona!', e então abriram-se todas as portas. Há a mitologia de que o mundo se rende a ele. A sociedade espera um Maradona mais tranqüilo, maduro e que viva em paz.

Ele é um mito?

Sim, é uma espécie de Gardel, que não morreu em um avião e está vivo, e por isso recebe as mesmas homenagens. A sensação é a de tivemos a sorte de ter um homem, na história, que vai além do normal. Quanto disso vai durar no futuro dele, vai depender do que aconteça daqui pra frente. Pensando sociologicamente, a única coisa que não vai declinar é o amor da torcida de futebol pelo homem que mais alegrias nos deu. Mas pode ser que esse Maradona negativo cresça, porque se ele continuar com seus escândalos, provavelmente sua outra imagem- a positiva- se deteriore.

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