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Vícios modernos
22/06/2004

Saiba mais: Mecanismos do vício

O vício visto de dentro das células

Os mecanismos que levam ao vício puderam ser mais bem entendidos nos últimos dez anos com os avanços da neurociência. Adaptação celular, tolerância, explicações para a abstinência: o ciclo vicioso pode estar dentro de nossas células e ter um componente hereditário. Mas fatores psicológicos não são descartados. É sobre isso que falam os psiquiatras Jair Mari, professor titular da psiquiatria da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e Rodrigo Bressan (professor da pós-graduação em psiquiatria da mesma universidade).

A origem do bem-estar

Jair Mari - Quem usa a droga se sente bem. Tanto o álcool quanto a maconha vão bombardear o sistema dopaminérgico. Quando bombardeiam o sistema dopaminérgico, liberamos dopamina e ficamos alegrinhos. O álcool tem os dois efeitos: você fica tranqüilo, que é o efeito ansiolítico, e ao mesmo tempo tem um efeito euforizante.

Avanços da ciência

Hoje nós sabemos os efeitos no nível molecular. Hoje nós sabemos muito mais desses efeitos das drogas. Estamos descobrindo os circuitos da adição (dependência) com o advento da neuroimagem, da neurociência e da biologia celular, que trouxeram a possibilidade de se verificar a ação das drogas no sistema nervoso central. Há uns dez anos isso não era possível. Por que os circuitos da adição? Uma vez que se sabe onde as drogas atuam, sabemos onde poderão dar futuramente problemas. Antes isso não era possível de se estudar e nem de ser observado. Hoje, com uma análise de biologia molecular, estudamos esses fenômenos em nível celular, de como as drogas chegam às células e como ativam os receptores. Também verificamos o efeito visualizando o cérebro, como ele reage a essas drogas. De dez anos para cá houve uma verdadeira revolução.

Adaptação celular

Por exemplo, por que um indivíduo desenvolve o vício? Qual é o mecanismo da adição? Vamos pegar como exemplo o caso do álcool, mas isso é aplicado de uma certa forma para todas as drogas. O indivíduo usa o álcool para se sentir tranqüilo. Chega em casa toma um vinhozinho, um uísque. Isso vai aumentar os efeitos das células de inibição do sistema nervoso central. Aumenta o poder ansiolítico. Acontece que bombardeando o sistema nervoso central com álcool, a célula começa a desenvolver uma adaptação, ela começa a reduzir os efeitos de inibição do sistema gabaérgico. É o que chamamos de adaptação homóloga. Adaptação homóloga porque vai ser específica para o álcool e quando o álcool bater na célula ele não vai ter o mesmo efeito ansiolítico. Qual é a repercussão disso? O indivíduo precisa beber mais para manter o mesmo efeito. A célula cria uma defesa contra o álcool. Quando bombardeada, aquilo acelera a inibição, que potencializa o efeito ansiolítico, mas a célula começa a se defender. De tal sorte que será preciso, com o tempo, de mais álcool para ter o mesmo efeito que se tinha lá atrás.

Esgotamento celular

A célula se defende porque identifica um fator externo solicitando uma inibição acima do que ela pode cumprir. É como se ela entrasse em esgotamento. São dois os mecanismos de adaptação desenvolvidos. O outro tipo de adaptação é em nível celular, intracelular, com canais de cálcio. Aí entra toda a parte de fisiologia. Mas no nível intracelular, a adaptação não vai ser só para um tipo de droga, vai ser para qualquer droga que causar um efeito naquele sistema de neurotransmissão. Então a adaptação homóloga cria uma parede, uma espécie de barreira celular, impedindo que a droga estimule o funcionamento celular. E na adaptação heteróloga, você vai ter mecanismos dentro das células, de proteção. Independente da droga que estimula a célula, ela vai ativar a defesa que construiu. Vamos supor, o cara que bebe álcool e que usa cocaína, vai ter uma adaptação que vai precisar de mais álcool e de mais cocaína para ativar o sistema intracelular.

Componentes biológicos

O que nós achamos hoje? O fenômeno do vício tem uma parte que é biológica. É isso que eu estava falando para vocês. Achar que maconha é só psicológico é uma baita balela. Por quê? Ninguém vai usar uma droga só por seu efeito de sugestionabilidade. A pessoa usa uma droga porque ela causa de fato um efeito. Se ela causa de fato um efeito, tem uma parte que é celular, só pode ser celular. Tanto a nicotina, quanto o álcool, quanto a maconha ativam as células do sistema nervoso central. Ao ativar essas células, do ponto de vista biológico, hoje, nós sabemos que as células vão desenvolver uma adaptação. A adaptação da célula é para reduzir o efeito externo que essas drogas promovem. Isso é o que nós chamamos de um fenômeno de tolerância.

Tolerância

Se uma pessoa virgem usar meio grama de cocaína, ela pode ter uma parada respiratória, o organismo não está preparado para aquela quantidade de droga. Quando uma pessoa começa a usar droga, uma carreira de coca é suficiente para dar uma baita euforia, para a pessoa se sentir bem. Mas aí o que acontece? Ela vai lá e usa outra carreira. No começo os intervalos são maiores, entre o uso da carreira e o bem-estar que a pessoa tem em decorrência do uso. Quando vai jogando cocaína, a célula vai, com o tempo, ao longo dos anos, desenvolvendo uma adaptação. Fala: "opa, não jogue tanta cocaína porque eu não tenho como fazer tanta dopamina". Então tem-se uma barreira que é extracelular, que é aquela adaptação homóloga, e tem-se uma barreira intracelular, que é heteróloga. Que na verdade o heterólogo é o que hoje nós consideramos o problema da adição cruzada. Quer dizer, quando o indivíduo tem problema de vício e de adição a drogas é porque ele desenvolveu não só um problema com a cocaína, mas com todas as drogas que vão bombardear o sistema dopaminérgico. Em resumo, é o seguinte, com o tempo, como as células desenvolvem esses mecanismos de proteção, no nível intracelular e no nível extracelular, a pessoa precisa de mais drogas para ter o mesmo efeito. Com o tempo, vai ser preciso aumentar a quantidade de drogas para ter o mesmo efeito que se tinha no começo. Isso que é o vício: a adaptação celular à quantidade de drogas que você precisa para promover aquele bem-estar que você tinha com um pouquinho de drogas.

Herança genética do vício

Cada indivíduo tem a sua biologia particular. Toda essa parte biológica é gerenciada pelo que nós herdamos, pelos genes, que vão orquestrar todo o funcionamento do sistema de RNA e de funcionamento da célula. Então as pessoas têm vulnerabilidades diferentes para desenvolver esses mecanismos de adaptação. Algumas pessoas podem até não desenvolver os mecanismos de adição. Mas nós sabemos que tem um grupo mais vulnerável que desenvolve essa resposta celular, em geral 10% da população. O que quer dizer isso? Esses 10% vão ter o mecanismo ativado com o tempo e serão aqueles que irão precisar de muita droga para ter o mesmo efeito que tinham no início. Então começa-se a ingerir quantidades tóxicas, seja de álcool ou de cocaína. Esse é o vício. A célula desenvolveu a tolerância. O que é a tolerância? O indivíduo como tempo passa a tolerar grandes quantidades seja de álcool seja de cocaína. Por isso que ele precisa de uma quantidade maior para sentir o mesmo efeito. De sorte que, no começo, se o indivíduo usar meio grama de cocaína, ele pode morrer. Uma pessoa que desenvolve os mecanismos de tolerância, pode usar 15, pode usar, 3, 5, 15 gramas em 24 horas e o cara está lá, não morre. Por quê? Porque ele desenvolveu tolerância e ele precisa aumentar. Qual a chave do problema?

Uma vez viciado, sempre viciado

Uma vez desenvolvido o mecanismo de defesa celular, nós não sabemos como desativá-lo. Por isso que uma pessoa que desenvolve o vício permanece com o vício. A comparação que eu faço é com a transamazônica. Uma vez que se abriu aquele caminho, aquele caminho está aberto. Quando entrar cocaína, vai passar por ali. Porque a estrada, bem ou mal, está aberta. O indivíduo que desenvolve a adição nunca mais vai usar a droga como usava antes. Aquilo fica guardado no célula, fica na memória celular.

Biologia X psicologia

Mas o vício é um fenômeno biológico? Não, o vício é um fenômeno também biológico. As pessoas não gostam de compreender, tem um certo preconceito de achar que o biológico não entra. Mas hoje isso está desvendado. É que poucos estudam. Mas quem estuda esses fenômenos e está acompanhando os avanços da neurociência sabe que isso está muito bem estabelecido. É algo que já foi muito bem desenvolvido. Então, a adição tem um componente biológico importante, mas é óbvio que o que acontece no desenvolvimento do vício não é só a questão da neurodaptação. No desenvolvimento do vício, seja de álcool ou de cocaína, temos aspectos psicológicos (do indivíduo mais ansioso, mais deprimido ou tímido, por exemplo). Enfim, as drogas ajudam as pessoas a quebrar barreiras de defesa, de timidez e assim por diante. Temos os aspectos psicológicos e também os de grupo. Usar cocaína, álcool e mesmo maconha tem a ver com uma relação tribal, de rituais dos jovens. Na verdade, o vício é uma combinação de fatores. Ele se desenvolve através de fatores biológicos, psicológicos e culturais. A dependência é uma combinação de fatores biológicos, psicológicos e culturais. Todos eles vão atuar de forma simultânea e aí o indivíduo vai desenvolver a dependência.

Vício sem drogas

O jogo patológico entra em uma outra área, que seria a patologia dos impulsos. O jogo não entraria nesse mecanismo de adição. O que se pode ter no jogo, talvez, seja a excitação. Pode ocorrer um bombardeamento dopaminérgico pela excitação. O momento do jogo seria um momento de excitação dopaminérgica e aí a pessoa desenvolveria alguma tolerância.

Rodrigo Bressan - Na verdade, a cocaína e o jogo apresentam pontos semelhantes, a via final é parecida. Só que na cocaína o efeito é induzido farmacologicamente e no jogo induzido por uma situação orgânica.

Mari - Mas está comprovado isso?

Bressan - Está. Tem uma liberação dopaminérgica enorme. Crescente conforme se vence mais vezes.

Folha - Entrariam outras dependências, como sexo, internet?

Mari - Pode-se dizer que em todas as situações de impulsividade, de compulsão, que levam a uma excitação dopaminérgica, poderá desenvolver um mecanismo de adaptação.

Bressan - Neuroadapatação no sistema de recompensa do cérebro. Você come, tem prazer e então fala: vou comer mais porque me faz bem. Esse sistema é que vai ficando distorcido.

Mari - A resposta biológica, de adaptação, vai ser determinada principalmente por fatores de herdabilidade.

Folha - Podemos dizer, sem medo de errar, que certas pessoas tem uma maior vulnerabilidade de se viciar por características hereditárias?

Mari - Provavelmente.

Personalidade e vício

Bressan - Isso é verdade. Mas, por outro lado, uma pessoa que tem estrutura de personalidade "xis" e sabe que é impulsivo, sabe que tem de evitar essas situações, consegue perceber suas limitações e tocar a vida sem depender de jogo e de drogas. Depende da estruturação de personalidade, isso é fundamental. Apesar de a pessoa ter a vulnerabilidade, ela consegue se manter fora disso. Mas se ela tem uma vida mais desestruturada, se os seus prazeres vem principalmente de coisas desse tipo, a vulnerabilidade não é o determinante final.

Mari - O indivíduo desenvolveu adição. Ele tem os mecanismos de adaptação. Então ele adquiriu o que vocês estão querendo dizer, que é o vício. Vício é uma palavra forte, não usamos. Chamamos de adição. Mas tudo bem. O indivíduo que eu sei que tem dependência ao álcool, mas fala: "Eu não posso passar de uma taça de vinho". Embora tenha o problema, ele consegue sobreviver com uma taça de vinho. Ele tem de ter um aspecto cognitivo extremamente reforçado. Que é a certeza: "Toda vez que eu for beber, não posso beber mais do que uma taça de vinho". Algumas pessoas têm o vício desenvolvido, mas têm condições de controlar a adição. Mas a maioria não tem, a maioria dança. Quem tem o problema, quando vai usar uma tacinha de vinho, acaba tomando duas garrafas. Isso porque ele desenvolveu a adição e uma tacinha de vinho não vai bombardear dopamina em quantidade suficiente para sentir aquele prazer. O cérebro manda a seguinte mensagem: "Por favor, mande mais álcool para eu liberar aquela dopamina jóia de que você gosta". E aí a pessoa entra na compulsão de beber até poder atingir o estado de que ele gostaria.

Bressan - O interessante é que esse sistema prevalece sobre todos os outros. A pessoa perde a namorada, grita na festa, dá vexame, mas ele prevalece. Esse é o mecanismo que demonstra bem a adição.

Propensão ao vício

Folha - Sendo um mecanismo genético, tem como descobrir quais são as pessoas com propensão ao vício?

Mari - O que nós sabemos é o seguinte: os filhos de alcoólatras têm uma herdabilidade maior, têm uma vulnerabilidade maior. Então quem tem casos na família _de adição ao álcool ou à cocaína, talvez do jogo_ é provável existir uma herdabilidade. Na dependência ao álcool a herdabilidade é comprovada. Ou seja, quem tem na família casos de dependência ao álcool tem de ficar mais esperto.

Folha - Por que não se faz uma campanha específica em famílias com casos de alcoolismo?

Mari - Todo médico bem preparado faz isso. Ele tira a história e avisa: você tem casos na sua família e tem de ficar atento. Muitas vezes, são as famílias que percebem que têm vários casos e se preocupam quando percebem que o jovem está bebendo de uma forma inadequada. Isso é, tem episódios de porre. E, principalmente, quando se tem blecaute, esquece o que fez no dia. Isso tudo _que muitas vezes é tido como algo bom por suportar grandes quantidades de álcool_ é um sinal de alerta para nós. Esse machismo que existe, esse estímulo ao consumo excessivo que existe, do vira -vira, é totalmente inadequado. Porque se está estimulando um consumo excessivo de álcool e não um consumo benigno, que seria a pessoa ter os efeitos benéficos da droga. Daí ela vai poder usar o álcool a vida inteira. Mas se a pessoa começa a consumir e ter porres freqüentes, ao longo do tempo vai desenvolver os mecanismos de adaptação, vai desenvolver o vício e mais lá pra frente não vai mais poder usar ou vai ter uma grande dificuldade de usar álcool.

Psicoterapia

Folha - Uma pessoa com sistema cognitivo forte pode resistir. Então a abordagem psicoterápica pode ajudar?

Mari - Ela é fundamental. A psicoterapia é sempre fundamental. O fato de se ter um fenômeno biológico não significa que a psicoterapia vá ser abandonada. Aí entra nessa questão mercadológica: O que é psicológico e o que não é. Hoje isso está ultrapassado. É óbvio que o fato de se documentar que o fenômeno tem uma importância biológica não significa que os aspectos psicológicos não são muito importantes também. Por exemplo, esse tipo de estruturação. O indivíduo pode organizar a vida dele, sem desenvolver o vício. Ele tem dois cenários: ou doma o problema, o vício, ou vai ter todos os problemas decorrentes do vício. E as conseqüências são desastrosas. Do ponto de vista individual, social, familiar, afetivo. O que seria então essa cognição? Seria o indivíduo compreender o problema que ele tem, saber dos limites dele e organizar a vida e a personalidade para evitar essas situações. Digo o uso inadequado da droga ou o uso inadequado de jogo.

Mari - O que nós costumamos dizer é que droga só dá problema porque é bom. Droga não é coisa ruim, mas, se não souber usar, dança. Esse é que é o recado.

Abstinência

Bressan - Quando está viciado, a pessoa já não usa porque é bom, mas porque se sente mal se não usar. O que acontece com a abstinência? A cocaína, por exemplo, está sendo bombardeada e vai aumentando a concentração de dopamina. Quando se pára de bombardear, tem-se uma depressão de dopamina. Então o indivíduo fica super deprimido. A pessoa acaba tendo um funcionamento cerebral que depende da entrada de cocaína. Então ele precisa usar mais cocaína, daí a fissura. Quando se tira, cria-se um vácuo no sistema nervoso central. Deixou de alimentá-lo com algo que está bombardeando constantemente. O cérebro vai funcionando com a entrada do álcool e da cocaína até que entre em desgaste, quando não é mais possível usar. O indivíduo pára, mas tem as reações de falta da droga. Aí vai tentar usar de novo para tentar recompensar, mas o desfecho disso é sempre um desastre. A célula tem um limite de produção. Sempre vai tentar se adaptar para voltar ao nível que produzia normalmente. A célula não tem como produzir tanta dopamina e cria uma neuroadaptação. Com isso vai precisar aumentar a quantidade de drogas. Moral da história: se você sempre usar pouco, durante toda a sua vida, não vai ter problemas com drogas.

Mari - Um dos tratamento é substituir a droga por outras, que não causam tolerância e dependência (como anti-depressivos que bombardeariam o sistema dopaminérgico).

Descontrole cerebral

Mari - É um descontrole de todo o sistema neuroquímico pela desorganização que o consumo das drogas causou no cérebro. A droga mata células, cria uma desorganização completa do equilíbrio de funcionamento cerebral. Todos os estímulos externos que chegam são passados de uma forma totalmente desorganizada, a ponto de o indivíduo ter sensações de que formigas estão subindo no corpo dele. Ou acaba tendo alucinações visuais e por aí vai. O mecanismo exato não sabemos, o que se sabe é que o sistema está em total descompasso. Não há mais o controle. As informações que vão chegar ao córtex frontal estão totalmente distorcidas e deturpadas. A ponto de o indivíduo não conseguir mais interpretar o que está recebendo.

Bressan - A abstinência de álcool é bem diferente da de cocaína, que é diferente da de anfetamina, da de café. Cada uma tem um padrão específico. Álcool e opióide tendem a ser as mais graves. Não se morre por abstinência de cocaína. Abstinências de álcool e de opióide são mais perigosas porque se tem disparo autonômico e uma série de outras conseqüências não só ligadas a esse sistema de liberação de dopamina.

Mari - De uma forma ou de outra, todas as drogas vão estimular uma desorganização do funcionamento cerebral, que entra em parafuso. Mas o parafuso é diferente, ele assume formas diferentes. Nós não sabemos exatamente os mecanismos celulares da abstinência.

Bressan - Na cocaína, um dos principais sintomas é o depressivo e a fissura, de querer mais.

Abstinência sem drogas

Folha - Já no caso de jogo e sexo, que não envolvem uma substância, existe também uma síndrome de abstinência?

Bressan - Existe. As pessoas ficam mal, perdem o sentido a vida. Elas estão acostumadas a funcionar naquele nível de excitação. Esse sistema de recompensa é um sistema bem básico. É como se você perdesse a capacidade de se conduzir, de decidir o que é bom para usa vida. É isso o que acontece com as pessoas, ficam só na recompensa em detrimento da vida.

Recuperação

Folha - Como a família pode ajudar?

Mari - Tem de buscar tratamento. O tratamento principal é parar de usar a droga. Faço sempre uma analogia. A adição à droga pode ser tão grave quanto um câncer, a diferença é que se o indivíduo conseguir não mais usar e controlar seus impulsos, ele tem uma vida normal. Ele consegue refazer a vida dele, mas com uma grande restrição, de não poder beber ou usar cocaína.

Folha - Mas é simples assim, só dizer eu não quero?

Mari - É difícil a pessoa aceitar porque sua vida passa a ser organizada em função das drogas. Todo o contexto psicológico, social, cultural do uso também é muito importante. Para mudar isso não é fácil não. Na fase de abstinência é importante a pessoa ser medicada. Nós usamos ansiolíticos, muitas vezes a pessoa pode ter convulsão. Muitas vezes é importante que a abstinência seja feita em ambiente seguro, como em hospital. Ela pode ter reações importantes se for grave o problema. Em casos mais simples até usamos um spa para desintoxicação. Mas se o caso está bem desenvolvido e a dependência é grave, nós indicamos até um hospital clínico para fazer a desintoxicação, nem o psiquiátrico, mas clínico. A dependência de remédio vai pela mesma linha, mas com a diferença de que a probabilidade de ocorrer é muito menor. Ela existe também, mas as drogas atuais são mais seguras do que as que tínhamos há tempos. Por exemplo, anfetaminas e barbitúricos que eram usados na década de 60, propiciavam uma dependência maior. Anfetamina tem um efeito anti-depressivo, mas causa dependência também. Um problema grave nosso é o uso de anfetamina como moderador de apetite.

Umas mais viciantes do que outras

Folha - Por que algumas drogas causam mais facilmente a dependência?

Mari - Provavelmente por causa do tipo de ligação que elas têm nos neuroreceptores. A fórmula do "prozac" é bem próxima da fórmula da anfetamina, mas a fluoxetina (não se usa o termo "prozac") tem uma fórmula muito próxima da anfetamina, mas não cria dependência. Muito provavelmente porque ela não se liga aos neurotransmissores da mesma forma. O tipo de ligação é diferente.

Bressan - Tem um outro fator de dependência. Não é só liberar dopamina. Tem o jeito como se libera. Não pode liberar e deixar, tem de liberar e retirar. Por exemplo, cocaína e crack são a mesma droga, mas liberam dopamina de jeitos diferentes. Mais rápido é o crack. O fato de fazer ida e volta é super importante. O bombardeio dopaminérgico da maconha é menor, mas existe. Há uma crença disseminada em nosso meio de que a maconha não causa problemas, o que não é verdade. Se ela causa reações importantes é porque tem potencial de gerar problemas futuros.

O que é vício?

Folha - Qual é a definição de vício? Quando passa a ter importância clínica?

Mari - Quando a droga começa a atrapalhar o desempenho social da pessoa. No ponto de vista sintomático, a abstinência é um sinal claro de que o indivíduo desenvolveu um problema. Existe sempre uma fronteira entre o uso adequado, o uso abusivo e o desenvolvimento da dependência. Sem dúvida, quem tem a abstinência é porque a dependência está instalada. Mas é possível não ter uma abstinência clara e ter dependência. Algumas pessoas não sabem que têm dependência de álcool e, por exemplo, internam-se para fazer uma cirurgia. Só aí descobrem a dependência porque desenvolvem uma reação de abstinência que desconheciam. O indivíduo leva uma vida normal, mas tem lá a dependência dele instalada. Era dependente sem afetar as relações sociais e afetivas. Mas do ponto-de-vista biológico, a dependência vai estar instalada.

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