São Paulo, sábado, 22 de novembro de 2008

+ Questões para fundir a cuca

Por que o nosso pensamento "esquece" as coisas sem o nosso querer?
VICTOR DE ALMEIDA, 10, do Colégio Salesiano Santa Inês

Antes de falar de esquecimento, que tal falar de memória? O filósofo Henri Bergson, por exemplo, achava que tudo está no cérebro. É ele que recebe e guarda informações e as transforma em imagens, sons e cheiros. Essas imagens são relacionadas a outras e adquirem significado. Elas são guardadas e podem ser acessadas a partir desses significados. Mas o cérebro, responsável pela memória, é seletivo e vai se livrando do que não é muito importante. Assim, para Bergson, o esquecimento faz parte da "higiene" da memória. Freud, por sua vez, dizia que há um processo na nossa mente, independente da nossa vontade, que nos força a esquecer, para nos poupar de lembranças dolorosas. Mas nós não as esquecemos totalmente, dizia Freud. Elas continuam gravadas em um lugar da nossa mente que ele chamou de "inconsciente".
Auri Cunha, filósofo e autor de "Filosofia para a Criança - Guia Pedagógico" (ed. Alínea), entre outros livros.




É errado pensar em coisas que não existem?
NATÁLIA TONHI, 8, da Escola Granja Viana

Imagine uma floresta com árvores azuis. Pronto! Árvores azuis existem -pelo menos na sua imaginação! Afinal, pensar em coisas que não existem não é fazer essas coisas existirem no pensamento? Quando a gente imagina uma coisa, essa coisa passa a existir, só que de um jeito diferente daquelas que a gente diz que existem "fora de nós". René Descartes tem uma frase muito conhecida: "Penso, logo existo". O que a gente pensa pode não existir, mas o nosso ato de pensar existe sempre. E, para ele existir, a gente tem de existir. Descartes diria que você pode pensar coisas erradas, mas nunca é errado pensar.
Terezinha Azerêdo Rios, professora da Uninove (Universidade Nove de Julho) e co-autora de "Filosofia na Escola - O Prazer da Reflexão" (ed. Moderna).




No espaço cabe tudo?
ARNALDO CAVALCANTE, 8, do Colégio Ofélia Fonseca

Sim, tudo o que existe cabe no espaço. Mas talvez possamos imaginar coisas maiores que o Universo. Essa pergunta era muito discutida na Grécia Antiga, onde alguns achavam que o espaço tinha fim e outros achavam que o espaço era sem fim, infinito. Os filósofos de uma escola chamada "estóicos", por exemplo, eram a favor do espaço infinito. Hoje, sabemos que o espaço pode ter uma estrutura que nosso cérebro tem dificuldade de compreender intuitivamente. O físico Albert Einstein sugeriu que o espaço é como a superfície de uma bola, que é finita, mas não tem limites ou bordas.
Osvaldo Pessoa Jr., filósofo da ciência e professor da Universidade de São Paulo.




Se nada mudasse, o tempo não existiria. Mas o tempo existe. Por que o tempo existe?
JÚLIA FREITAS, 8, FERNANDO SCABELLO, 9, e NICOLAS FOZ, 8, da Escola Granja Viana

O tempo é algo difícil de explicar! Na filosofia moderna, muitos acreditam que o tempo depende das coisas (que os filósofos chamam de "matéria"). Sabiam que o físico Albert Einstein disse que, num planeta superpesado, vocês veriam os ponteiros de um relógio girando mais devagar? Mas ninguém sabe dizer por que o tempo existe. Já perguntaram se ele teve um começo. Dizem que antes do Big Bang, aquela explosão gigante que deu origem ao mundo, não havia tempo. Mas como pode ter "antes" se não tinha tempo? Stephen Hawking sugeriu que o tempo que conhecemos hoje é diferente do tempo no começo do Universo. Se voltássemos para o início, o tempo se tornaria espaço, ou algo assim.
Osvaldo Pessoa Jr., filósofo da ciência e professor da Universidade de São Paulo.




O que é regra?
ISABELA CUNHA, 10, da Escola Granja Viana

Todo mundo sabe que existem regras, mas nem sempre é fácil saber o que é uma regra e até como elas surgiram. Há regras que são pura convenção: por exemplo, guiar o carro pela via da direita na rua. Mas o problema ocorre quando pensamos em regras que não parecem criadas por algum grupo, e aí a gente se pergunta se elas estão na própria natureza. Um francês chamado Claude Lévi-Strauss disse que o que caracteriza a cultura é a presença de regras, que são sempre relativas. Então, para determinar o que é uma regra, é também preciso saber o que é natureza, o que é cultura, o que é a vida em sociedade. Certo mesmo é só que as regras existem, e que é impossível conceber a vida humana sem elas. Já pensou se futebol pudesse ser jogado de qualquer jeito?
Homero Silveira Santiago, professor de filosofia da USP




Imagine: e se tudo for um sonho?
MIGUEL SANCHES, 7, da Prima Escola

Essa questão é tão velha quanto a própria filosofia. E sempre serviu para alimentar certa desconfiança em relação às nossas maiores certezas: e se a escola, seus amigos, seus pais, você mesmo e até esta Folhinha não passarem de um sonho? O filósofo grego Platão dizia que a verdade está também naquilo que não vemos, que está só no nosso pensamento. Já na filosofia moderna, René Descartes questiona: não poderia acontecer que tudo o que pensamos existir no mundo seja só efeito de um sonho? Esse é um dos argumentos que lhe permitirá ter uma dúvida geral sobre todas as certezas. Não há nenhum critério seguro para distinguir o que é real e o que é sonho. Perguntar sempre se tudo é sonho seria uma espécie de loucura. Mas, às vezes, questionar se o que chamamos de realidade não é um sonho é um jeito de exercitar nossa desconfiança diante do que parece natural, mas não é.
Homero Silveira Santiago, professor de filosofia da USP




O que é verdade?
ANDRÉ PATRINICOLA, 8, da Escola Granja Viana

Se sua mãe pergunta se "é verdade" que foi seu irmão quem quebrou o vaso, ela quer saber se o que você disse está de acordo com o que aconteceu mesmo. Verdade, nesse caso, é a correspondência entre o que é falado e o que ocorreu. Diversos filósofos já pensaram muito sobre essa questão. Veja o que disse Platão: "Verdadeiro é o discurso que diz as coisas como são; falso aquele que as diz como não são". Na Idade Média, Santo Agostinho considerava a verdade como "o que é assim, como aparece"". Hegel e Descartes disseram que verdade é aquilo que se manifesta de tal maneira clara que não dá para não admitir que seja verdadeiro. Nietzsche disse algo intrigante: a verdade de uma coisa é o bem e a utilidade que ela pode trazer à vida. Se trouxer alguma satisfação, mas colocar a vida em risco, pode não ser verdadeira. E aí?
Marcos Lorieri, professor da Uninove (Universidade Nove de Julho) e co-autor de "Filosofia na Escola - O Prazer da Reflexão""(ed. Moderna).




Há relações sem diálogo?
ANGELO YANAGITA, 9, da Escola Granja Viana

Pense em dois motoristas que estão brigando porque um deles bateu na traseira do carro do outro. Eles estão com raiva e gritam sem escutar o que o outro diz. Será que podemos dizer que eles estão dialogando? Muita gente diria que toda relação tem diálogo. Mas, muitas vezes, as pessoas estão só se relacionando, mas não estão dialogando. O diálogo existe quando as pessoas respeitam as outras e não só falam, mas ouvem e levam em consideração as suas idéias e opiniões, mesmo que sejam muito diferentes das suas. Muitos filósofos se preocuparam com o diálogo. Sócrates, que viveu na Grécia no século 5 antes de Cristo, ficou conhecido como um mestre que andava pelas ruas de Atenas dialogando com as pessoas. Seu aluno mais célebre, Platão, resolveu escrever todos os seus livros em forma de diálogos.
Terezinha Azerêdo Rios, professora da Uninove (Universidade Nove de Julho) e co-autora de "Filosofia na Escola - O Prazer da Reflexão" (ed. Moderna).


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