São Paulo, sábado, 1 de janeiro de 1994
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Mil Milhas

FLAVIO GOMES

Ainda usava calças curtas quando meu pai me levou pela primeira vez a Interlagos. Não faz tanto tempo assim, deve ter sido lá por 68 ou 69. Também não tenho muita convicção se o programa era ver as Mil Milhas, mas acho que era, porque lembro também que ficava horas e horas vendo carros passarem de faróis acesos, parecia que aquele negócio não ia acabar nunca.
Mil Milhas. Há quem diga que a corrida foi a grande alavanca do automobilismo nacional, e eu não tenho grandes motivos para duvidar disso. Daquele tempo lembro com alguma nitidez dos JK, do barulhinho gostoso dos motores dois tempos dos DKW e dos Malzoni, de um ou outro Simca, mas, sobretudo, da carreteira amarela de Camilo Christófaro, número 18, o Leão do Canindé. Tinha até um carrinho de autorama igual, que só levava ferro na pista do Ibirapuera, com um motorzinho Estrela fajuto diante dos Mabushi e Mura da molecada mais velha.
Emerson correu as Mil Milhas e outro dia, revendo o filme "O Fabuloso Fittipaldi", se não me engano, vi uma imagem do Rato chorando. O locutor explicava que as lágrimas eram pela derrota na corrida que todo piloto queria ganhar naquela época. Emerson correu com Jan Balder num Puminha-DKW no qual ninguém apostaria um vintém. Estavam ganhando, a prova estava chegando ao fim, quando, diz a lenda, um pistão derreteu.
Falo muito de DKW porque tenho um, alvo de chacota, ícone nostálgico de uma época que mal vivi, mas tenho nostalgia, sim, saudade de um tempo que não faz parte do meu, porque a partir do início dos anos 70, já de calças compridas, nunca mais vi nada parecido com as Mil Milhas dos 60. A corrida entrou em decadência, os grandes pilotos sumiram e babau, ninguém mais falou nela.
Pois bem, 94 começa por estas bandas com a prova do dia 22. A largada hoje em dia não acontece mais de noite, o que era um charme, mas tudo bem. Vai ter Christian, Rubinho e Piquet. Não precisa mais. Legal seria se Senna e Emerson também arrumassem um carrinho para acelerar durante 12 horas, mesmo sem o Sol, a Ferradura, a Um a Dois e a Três. O velho Centauro tem a obrigação de fazer uma corrida impecável este ano, para recolocar de vez as Mil Milhas no imaginário automobilístico do Brasil. É a única prova, que eu saiba, que tem até um hino próprio, dos dias em que a Rádio Panamericana ficava lá o tempo todo narrando as peripécias dos botas que vinham de toda a parte do país.
Não tem mais DKW, JK, Simca, Alpine. Mas o autódromo está lá, o hino ainda existe, e os botas estão voltando. Posso parecer um saudosista bobão, mas já estou preparando o piquenique para acampar 12 horas em Interlagos dia 22. E já vou avisando: não racho meu guaraná caçulinha com ninguém.

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