São Paulo, sábado, 1 de janeiro de 1994
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Despertar da cidadania

HERBERT DE SOUZA

Não, 1993 não foi um ano perdido. Ao contrário. Foi o ano em que a sociedade brasileira plantou uma importante semente, a da cidadania. O ano que vai ficar marcado como fundamental para o despertar da sociedade brasileira, que viu e se assustou com o desastre social para o qual estávamos caminhando. Viu e se assustou com o rosto da miséria, expressão máxima da indiferença em que estávamos enfiados. O ano chega ao fim e podemos comemorar o fato de que parte desta indiferença se transformou em solidariedade e que há um clima de mudança no ar, um sinal de alerta contra o desastre.
É claro que o Brasil não resolveu os seus problemas em 1993. Mas despertou. Despertou para a compreensão de que democracia e miséria são incompatíveis, para a constatação de que 32 milhões de pessoas passam fome num país que desperdiça 20% da safra agrícola, despertou para o drama de 16 milhões de crianças que crescem na indigência, despertou para a necessidade de construir um Estado que atenda os interesses da sociedade, despertou para a solidariedade como forma de ver no outro um cidadão igual, com direito a uma vida digna, comida, trabalho, casa, escola.
Num país que se acreditava cínico, indiferente, pragmático, excludente, bárbaro, desumano, pode-se ver de outro prisma. Este podia ter sido o ano do naufrágio, mas foi exatamente o ano em que a sociedade começou a mudar o rumo deste país. Este foi o ano em que podemos comemorar o nascimento de uma nova consciência política. Consciência que se traduziu em gestos, em toneladas de alimentos, em comitês, em novas parcerias, em quebra dos muros da indiferença.
É certo de que ainda há muito a ser feito. Mas nada mais que venha por aí, nenhum plano econômico ou novo governo, nenhuma decisão do Congresso, do Judiciário ou do Executivo, nada mais poderá ignorar a cidadania. Esta cidadania que se descobriu em 93, que viu PC ir para a cadeia, que viu Collor ser cassado, que tem confiança na cassação dos deputados da máfia do Orçamento, que espalhou comitês da Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida por todo o país, que parou dois minutos pelo Rio. Não, esta sociedade não se deixará mais enganar. E, se não deixou que 1993 fosse um ano perdido, certamente não deixará que 1994 assim seja.
O ano que passou foi o da semente. A cidadania foi plantada no dia-a-dia de cada um dos que acreditaram na capacidade de mudança do Brasil. Esta é uma semente forte, que vai crescer. Vai ser regada a indignação com os que insistem em não ver que o Brasil está mudando, despertando. 1993 vai entrar para a história como o ano da descoberta da cidadania. E todo o futuro está irremediavelmente condicionado a esta descoberta.

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