São Paulo, sábado, 1 de janeiro de 1994
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Um país anedótico

ROBERTO CAMPOS

Sim. O que houve de positivo foi uma bolha de crescimento, o auto-expurgo do Legislativo e o saldo comercial de US$ 13,5 bilhões. Mas a inflação quase dobrou, a privatização se desacelerou, os dinossauros estatais continuam vorazes e o país se tornou cada vez mais anedótico, entrando para o livro "Guinness" dos recordes como uma média de 4,4 ministros por mês.
O crescimento, infelizmente, não é sustentável pois é difícil planejar investimentos com uma inflação de 2.567% ao ano. O auto-expurgo do Legislativo é saudável, desde que se tirem as conclusões corretas. A corrupção do Orçamento e das empreiteiras não é apenas uma depravação conjuntural e sim uma deformação estrutural. O principal motivo é o excessivo tamanho do governo, que faz com que muitas empresas não possam sobreviver sem as boas graças do Leviatã. Um segundo motivo é a falta de concorrência, por causa das reservas de mercado. Um terceiro motivo, que justifica os sobrefaturamentos das empreiteiras, são os crônicos atrasos de pagamento do governo.
Cassar mandatos de congressistas ou botar uma dúzia de empresários na cadeia satisfaz temporariamente os reclamos de justiça. Mas a corrupção voltará se não aplicarmos um tríplice remédio:
– redimensionamento do governo, pela privatização e desregulamentação;
– abertura à concorrência internacional, exatamente o contrário do que se está fazendo em telecomumicações;
– pontualidade do governo, que gosta de antecipar impostos e postecipar pagamentos.
Mas o grande desapontamento do ano foi o frouxo programa de estabilização, conceitualmente pobre e politicamente desenxabido. Conceitualmente pobre, porque ataca apenas o déficit operacional, cuja cura estancaria o fluxo da dívida; mas deixa intacto o estoque da dívida, megapassivo só eliminável pela venda de megaativos do governo. Baseia-se o plano numa sobrecarga fiscal de uma estrutura podre, que remenda em vez de reformar.
O corte de gastos é corajoso, se comparado ao primeiro Orçamento de 1994, mas embute um aumento de gastos sobre o Orçamento executado este ano. Sem uma reforma básica da Previdência Social, que contemple inclusive sua privatização, os rombos orçamentários ressuscitarão com rapidez. Parece que nos tornamos viciados na lógica do absurdo.
É absurdo votar qualquer remendo fiscal antes das emendas constitucionais que eliminem monopólios estatais, porque um Estado menor permitiria reduzir-se a extração fiscal. É idiotice falar-se na modesta carga fiscal de 24% do PIB, porque o PIB relevante é o do setor privado, pouco mais de metade do PIB total.
Itamar é a favor dos monopólios estatais, mas admite que Fernando Henrique queira privatizar ou pelo menos flexibilizar. Com um comandante que não ultrapassou o nacional-populismo dos anos 50, e um imediato obrigado a pregar hoje as doutrinas que ontem condenava, é escasso o perigo de melhorar.

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