São Paulo, domingo, 2 de janeiro de 1994
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Divindade se esconde no "hardware"

MARCELO LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

É longa a história de flerte nostálgico entre ciência e religião. Cientistas de todos os matizes têm procurado na natureza dicas ou mesmo provas do sopro divino. A mais recente das tentativas nasceu entre físicos e leva o nome respeitável de "princípio antrópico".
Existem duas versões "fraca", o Universo é como o homem o observa por causa da presença de um observador. Na versão "forte", essa constatação circular é elevada à condição de fundamento: a coincidência incrível de fatores propícios à vida e à inteligência obedece a um desígnio ele mesmo inteligente.
Daí a postular a sombra de Deus é apenas um passo. Mas ele foi dado, conta o ensaísta e biólogo Stephen Jay Gould no livro "O Sorriso do Flamingo", não com a criação do termo "princípio antrópico", mas há 90 anos –por ninguém menos do que Alfred Russel Wallace, mais conhecido por ter "descoberto" a seleção natural na mesma época, mas independentemente, de Darwin.
Mal comparando, se os adeptos das teorias genética e memética da religião procuram a origem de Deus por assim fazer no "software" da Criação (nos genes ou na concorrência entre idéias), os antrópicos acreditam-na inscrita no próprio "hardware" (no mundo). Neste caso, o imenso computador chamado Universo não funcionaria sem tal inteligência primordial, enquanto no outro Deus não passa de um programa aplicativo que pode ou não ser empregado, ao gosto do usuário.
Gould enterra com ironia e argumentação lógica o princípio antrópico. A pá de cal é uma citação de Mark Twain. No texto "A Maldita Raça Humana", Twain ridiculariza Wallace dizendo que, se a Torre Eiffel representasse toda a evolução, a espécie humana seria a casquinha de tinta na bolinha do pináculo –e qualquer um pode ver que a torre foi construída para sustentá-la. (ML)

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