São Paulo, domingo, 2 de janeiro de 1994
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Paulistanos dizem não ter o hábito de ler por falta de tempo

MARCELO LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

O Brasil já foi descrito como a "República da Ignorância". Não pode ser outro o juízo sobre um país em que metade dos habitantes de sua mais rica metrópole, São Paulo, dizem não ter lido nenhum livro nos últimos 12 meses, conforme revela pesquisa Datafolha realizada em novembro.
O dado choca, assim como o decréscimo dos percentuais à medida que aumenta o número de livros: 35% leram de um a cinco livros, 8% leram de seis a dez, apenas 6% leram mais de dez livros. "É alarmante", diz Carlos Augusto Lacerda, 32, da editora Nova Fronteira. "Imagine fora de São Paulo..."
Paulo Rocco, 48, da editora Rocco, discorda: "Não chega a ser deprimente para o mercado", afirma o editor de Paulo Coelho. Para ele, tendo em conta que o Brasil é um país pobre, é "expressivo" que metade da população leia pelo menos um livro por ano.
Na realidade, talvez haja motivo de alento para os que ainda atribuem valor ao "mais nobre dos produtos humanos", como escreveu o economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946). Levantamento anterior do Datafolha, efetuado em 1987, indicava parcela mais preocupante de iletrados habituais entre os paulistanos: 63%. Em cinco anos, esse contingente reduziu-se em 13 pontos percentuais.
O restante da pesquisa não autoriza, porém, qualquer excesso de entusiasmo. Afinal, nada menos do que 71% dos entrevistados admitem não estar lendo nenhum livro atualmente. Mesmo entre os que têm nível superior, a maioria se encontra no momento longe dos livros (55%). Metade dos paulistanos afirma não ter o hábito de ler. O motivo alegado para essa "bibliofobia" é principalmente falta de tempo (58%). Em seguida vêm os que não gostam de ler (24%) e os que não têm paciência para fazê-lo (13%). Somente 9% culpam os preços. Quase ninguém (1%) assume que prefere TV.
Pode-se, claro, entrever alguma distorção nessas respostas, provocada pelo constrangimento de admitir a aversão por uma prática que goza (ainda) de grande prestígio social. "Tempo é uma questão de prioridade. Quem quer ler lê no ônibus, no banheiro", diz Lacerda. De fato, a pesquisa informa que, depois do quarto (53%), da sala (40%) e do local de trabalho (12%), o ônibus (7%) e o banheiro (3%, empatado com a cozinha) são os locais preferidos de leitura.
Embora considere o caso brasileiro grave, pela falta de investimento em educação, o dirigente da Nova Fronteira afirma que o crescimento do público leitor em níveis inferiores aos da população é um fenômeno universal. Na sua raiz estaria a concorrência de outras formas de entretenimento, como cinema e vídeo.
No Brasil as vendas estão estagnadas há três anos. Depois de um salto de 212 milhões de exemplares em 1990 para 290 milhões em 1991, as estimativas projetadas pela Fundação João Pinheiro (MG) para a Câmara Brasileira do Livro para 1992 e 1993 apontam crescimento zero.
Os leitores não indicam o preço dos livros como um fator limitante, mas os editores sim. Rocco e Lacerda malham esse velho judas do mundo editorial, que engorda às custas da inflação (os custos financeiros dela decorrentes seriam responsáveis por 40% do preço).
Se comparado com outros mercados, afirma Rocco, o editorial vai bem: "Vejo até uma demanda reprimida, que já teria explodido, não fosse a inflação." Relembra a idade do ouro das editoras: 1986, ano do Plano Cruzado e de dinheiro no bolso, em que as vendas bateram recordes. "Não é o livro que é caro, é o poder aquisitivo que é ruim." (Marcelo Leite)

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