São Paulo, domingo, 2 de janeiro de 1994
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A hora da revisão

O país tem a sua disposição, no início deste ano, uma chance de ouro para corrigir deficiências básicas da sua estrutura normativa e começar a desobstruir o caminho para uma estabilização definitiva –e, com isso, para o desenvolvimento. É uma oportunidade contudo que, em flagrante descompasso com sua importância, vem passando quase que despercebida: a revisão constitucional.
Há quem defenda que ela seja adiada para o ano que vem –um futuro longínquo e incerto, neste país do curtíssimo prazo. Argumentam que o ano eleitoral vai tumultuar as votações, que o Congresso está ocupado com a CPI do Orçamento ou ainda que, em fim de mandato e envolto em escândalos, não teria legitimidade para proceder à reforma. Ora, é a Constituição –e o voto soberano do eleitorado nacional– que concede aos congressistas a legimitidade para rever, neste momento, a Carta Magna. Quanto a isso não há o que discutir.
Já o acúmulo de tarefas e a proximidade das eleições são problemas reais, que vão exigir eficiência e organização do Legislativo –que tem agilidade quando quer–, além de uma pressão e fiscalização atentas da opinião pública para que interesses eleitoreiros pessoais interfiram o menos possível. Seria uma perigosa ilusão, no entanto, pretender esperar um suposto momento ideal para iniciar o processo. Esse momento nunca chega, e a tese serve apenas para defender a causa perversa do imobilismo.
Ao fim e ao cabo, o ponto crucial que todos esses argumentos ignoram de modo incompreensível é a gravidade extrema, dolorosa, da crise nacional. Atrasos e protelações só aumentam ainda mais a conta –já excessiva– dos anos perdidos pelo país.
Não se pode, é evidente, minimizar as dificuldades no caminho da reforma. Exatamente porque elas são muitas, porém, é que se faz necessário cercar a realização do processo de cuidados, e um dos mais importantes é definir uma agenda mínima, uma pauta que aborde as principais distorções da Constituição.
É indispensável, por exemplo, tornar o Estado brasileiro viável, do ponto de vista financeiro, de modo definitivo. A manca distribuição de receitas e atribuições feita em 1988 criou um foco estrutural de instabilidade econômica. Ainda no âmbito do Estado, precisa ser alterado o modelo de monopólio estatal vigente em alguns setores –arcaísmo que ignora o imperativo da racionalização e da eficiência.
Já o viciado sistema político-eleitoral brasileiro demanda, para seu aperfeiçoamento, mudanças como a adoção do voto distrital misto, normas rígidas de fidelidades partidária e a justa representação dos Estados na Câmara.
A reclamar alterações inadiáveis, por fim, estão também o modelo atual da Previdência, flagrantemente insustentável, e o sistema tributário, emaranhado cipoal que se destaca pela complexidade, ineficência e injustiça.
Dadas as atuais circunstâncias políticas, o realismo alerta que não são animadoras as chances de uma boa reforma constitucional. A história recente do país, de outro lado, evidencia a influência que a opinião pública pode exercer sobre o Congresso. Fiscalizar com rigor a revisão é muito mais útil do que bradejar sobre os riscos de que ela seja mal feita.
É claro que a revisão não vai, por si, mudar a vergonhosa face do país. Mas ela pode tornar mais fácil a realização dessas mudanças, ao retirar alguns obstáculos da rota já árdua para o desenvolvimento com justiça social. É uma reforma que o Brasil não pode mais se dar ao luxo de adiar.

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