São Paulo, domingo, 2 de janeiro de 1994
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Ratos e homens

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Os jornais cariocas de ontem garantiram que 3 milhões de pessoas receberam o ano novo em Copacabana. Eu não estava lá, entre os 3 milhões que esperaram 94. Ano passado, no mesmo local e com a mesma multidão, eram apenas 2 milhões. O que me espanta é esse milhão a mais.
Lembro o prefeito Negrão de Lima nos primeiros dias de sua administração, final dos anos 50 (mais tarde ele seria governador da então Guanabara). Um diretor de departamento trouxe uma estatística para provar a necessidade de uma campanha contra os ratos que infestavam a cidade. Eram 3,5 milhões de ratos, o que equivalia a um rato por habitante, o Rio naquele tempo beirava mais ou menos isso.
Negrão andava distraído mas foi solidário com o seu auxiliar. Tirou os óculos e fez cara alarmada: "Três milhões e meio! Que coisa espantosa! Mas como é mesmo que conseguiram contar?"
O "Manual de Redação" adotado na Folha admite a dificuldade de se calcular multidões em comícios, passeatas e eventos, dá algumas dicas técnicas que podem valer para praças, largos, avenidas, estádios. O caso de Copacabana, como praia e bairro, escapa do critério da metragem quadrada. Há os edifícios com vários andares, muitas janelas, enormes faixas de rolamento e a praia em si, além dos morros encravados no Leme e ali no final da rua Santa Clara. Seria necessário medir o metro cúbico. Mesmo assim, e sem qualquer restrição aos repórteres que cobriram a festa, assumo a perplexidade de Negrão de Lima em relação aos ratos: como conseguiram contar?
Esse milhão a mais me espanta. Talvez o autor do cálculo tenha sido alguém da editoria econômica deslocado para as festas do fim-de-ano. Habituado a jogar a estimativa de inflação em tudo, achou que 50% caía bem e cravou os 3 milhões, prática que adotamos quando vamos a um restaurante ou a programa mais incrementado. De qualquer forma, a festa foi bonita. Aqui da Lagoa ouvi o barulho e vi os clarões coloridos que iluminaram um céu cheio de nuvens. Boa imagem, por sinal, para o ano novo.

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