São Paulo, terça-feira, 4 de janeiro de 1994
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A CPI agrícola

PEDRO DE CAMARGO NETO
Através de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito o Congresso Nacional realizou importante análise da questão agrícola. Destinou-se a "investigar as causas do endividamento do setor agrícola, o elevado custo dos seus financiamentos e as condições de importação de alimentos nos exercícios de 1990 a 1993". Embora o equacionamento do endividamento de importante parcela de agricultores ocupe a primazia da atenção da opinião pública, os resultados desta CPMI em muito superam essa questão. Seu relatório final deixa claro a total ausência de uma política consistente para o setor.
O campo vive hoje uma dualidade que precisa ser exposta. No ambiente selvagem dos últimos anos sobraram somente os fortes. Os cultivos fortes e os produtores fortes. Cultivos do tipo algodão e trigo, que exigiam alguma forma de política governamental, foram drasticamente penalizados. Os produtores que não estavam extremamente tecnificados e capitalizados foram severamente marginalizados.
É muito importante utilizarmos o resultado da CPMI para uma reflexão. É essencial que haja competência para as necessárias ações posteriores. O Brasil não é só para os que sobrevivem aos desaforos da anti-política governamental. Vejamos os principais pontos do relatório.
Proagro: é inaceitável postergar seu equacionamento. Todos sabem que o agricultor pagou o prêmio deste seguro e precisa, portanto, receber. Exige crédito especial estimado em US$ 444 milhões para atender as indenizações do novo e do velho. A CPMI determina ainda estorno de cobranças dúplices. Regulamentação do Decreto-Lei 175/91, inclusive, no sentido de definir "fenômenos naturais de larga escala" de responsabilidade do Tesouro Nacional. Apurar irregularidades.
Importações: caracterizaram o não-cumprimento da proteção contra a concorrência desleal por importações com preços distorcidos por subsídios. A sequência inclui rever o Decreto 174/91. Regime de urgência para nova legislação. Agilização pelo Ministério Público para que sejam tomadas as providências recomendadas pelas CPIs relativas à importação de alimentos de 1986 e à importação de carne em 1991.
Preços mínimos: a CPMI expõe sua deficiente execução. Falta de recursos financeiros e de decisões político-administrativas. Regime de urgência para nova legislação de estabilização dos mercados agrícolas e garantia do preço mínimo. Regime de urgência para legislação de implantação da equivalência-produto.
Ministério da Agricultura: agilizar estruturação da coordenação da extensão rural. Desmantelamento das instituições de pesquisa. Açodamento na implantação do Mercosul. Transferência do Ibama das funções de produção de borracha natural. Delegar funções deliberativas ao Conselho Nacional de Política Agrícola (CNPA). Implantar plano agrícola decenal.
Crédito: ilícitos e irregularidades. Assunto da maior importância que precisa de ampla divulgação. O primeiro ponto é a não-prorrogação automática nos casos de inadimplência tecnicamente justificada nos termos do MCR. Outros se seguem, como capitalização mensal de juros em desacordo com o Decreto-lei 167/67, operação considerada prática fraudulenta; floats indevidos caracterizados por cobrança de juros antes da efetiva liberação; exigência de reciprocidade; falta de informação; retaliações do Banco do Brasil aos mutuários; juros excessivos e ilegais mesmo quando os termos da inadimplência são os previstos no MCR.
Crédito: descasamento de índices. Os planos Verão, Collor 1 e 2 são analisados. A transferência de recursos do agro para o financeiro do plano Collor 1 é estimada em US$ 1,1 bilhão. Origem da maior distorção é analisada em detalhe, em particular os contratos com origem de recursos na caderneta do Banco do Brasil e as discrepâncias entre o pago ao poupador e cobrado do agricultor.
Correção monetária: esperamos que com esta CPMI finalmente fique esclarecida em termos legais claros a polêmica sobre a correção no crédito. Grande parte do relatório se detém sobre os inúmeros aspectos jurídicos da correção. O emaranhado legal que se tornou a questão do crédito impede que se continue a adiar determinadas definições.
Talvez o principal resultado desta CPMI seja o Poder Legislativo colocar a questão da maneira transparente para os poderes Executivo e Judiciário, Ministério Público Federal e Tribunal de Contas da União.
Esta CPMI não pode ser ignorada ou menosprezada. Ela trata importantes questões que afetaram em um passado recente, e continuam afetando, a totalidade dos agricultores do Brasil. A tentativa de reduzir sua importância salientando aspectos isolados de seu extenso relatório de 213 páginas deve ser rechaçada. Representa desconhecer o processo de elaboração e aprovação do Congresso Nacional. O Poder Legislativo fez a sua parte. Cabe agora aos demais poderes e principalmente a nós agricultores darmos continuidade ao processo.

PEDRO DE CAMARGO NETO é presidente da Sociedade Rural Brasileira.

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