São Paulo, terça-feira, 4 de janeiro de 1994
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URV pode vir mesmo com ajuste parcial

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
DA REPORTAGEM LOCAL

O ministro Fernando Henrique Cardoso será obrigado a iniciar a segunda parte de seu programa de estabilização –a introdução da Unidade Real de Valor, URV, como indexador atrelado ao dólar– mesmo que o Congresso não vote o ajuste fiscal que ele propôs.
Essa expectativa, verificada nos meios econômicos e políticos, baseia-se em dois pontos. O primeiro é político: o Congresso, como em ocasiões anteriores, vai dar alguma coisa. Não todos os impostos nem todo o corte de gasto, mas algo suficiente para a versão de que deu o possível. E o segundo ponto a forçar o lançamento da URV está no próprio desempenho da economia. O mercado, por meios originais, já está antecipando a indexação diária e acompanhando o dólar. Daqui a pouco, o governo terá que simplesmente validar essa prática.
O ex-presidente do Banco Central, Gustavo Loyola, hoje sócio da MCM Consultores, resume bem o constrangimento político que se impõe sobre FHC. "O ministro não poderá abandonar o barco, mesmo que não seja o barco que ele queria", disse o economista. FHC só poderia largar tudo se o Congresso negasse todas as suas propostas e rejeitasse qualquer forma de ajuste fiscal. Mas os parlamentares não vão cair nessa armadilha e passar como responsáveis pela crise econômica.
Como, por outro lado, FHC sempre se mostrou disposto a negociar, é isso que deve sair: um arranjo que permita ao Congresso e ao ministro dizerem que o ajuste está encaminhado.
Na parte econômica, a indexação diária avança. A indústria automobilística já utiliza uma fórmula inteligente: a cada 30 dias, aplica um aumento de preços equivalente à inflação e à variação do dólar. Mas se esse preço permanecesse fixo pelos 30 dias seguintes, o carro ficaria muito caro no momento seguinte ao reajuste e barato, defasado, na véspera do novo reajuste.
O modo de escapar disse é simples: aplica-se um reajuste de, digamos, 40%; em seguida, avalia-se qual a inflação diária, digamos de 1,5%, e aí se aplica ao preço cheio um desconto decrescente. No primeiro dia após o reajuste de 40%, o desconto é de 38,5%; no segundo de 37% e assim por diante. Assim, um carro de CR$ 10 milhões, sairia no primeiro dia após o reajuste por CR$ 6,15 milhões. No segundo dia, por CR$ 6,3 milhões e assim sucessivamente.
É uma URV às avessas. A generalização dessa indexação diária não só acostuma a economia, como passa a exercer pressão para que o governo oficialize e universalize a prática.
Assim, se o governo desse diariamente o valor da URV, calculando-a conforme os critérios pelos quais acerta o dólar comercial, facilitaria para todo mundo.
Mesmo o dono do bar, que não tem departamento econômico para calcular descontos diários, coloca tudo em URV e pronto. Como estará pagando seus fornecedores em URV, o jogo estará fechado.
E, assim, o indexador se espalha e a segunda fase do plano de estabilização está pronta. Aí começa a encrenca: a conversão para URV de alguns valores essenciais, como o salário mínimo, salário do funcionalismo e benefícios da Previdência. Essa converão pode significar ganho ou perda ou a neutralidade –e aí vai se travar a disputa que determinará se vai haver a terceira fase.

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