São Paulo, terça-feira, 4 de janeiro de 1994
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Livro diz que Caetano segue Nietzsche

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

O livro "Caetano. Por que não? (uma viagem entre a aurora e a sombra)", dos professores de literatura Ivo Lucchess, 44, e Gilda Korff Dieguez, 47, é, segundo seus autores, uma primeira tentativa de análise e interpretação rigorosas de toda a obra do compositor baiano Caetano Veloso.
O casal Ivo e Gilda, professores universitários do Rio de Janeiro, declaram terem desvendado o problema das fontes em Caetano. Solução: o músico reza pelo breviário do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900). Moldou toda a sua produção em imagens e conceitos do pensador ateu. Segundo os autores, Caetano fundamenta sua arte num segundo nome: o do poeta português Fernando Pessoa (1888-1935).
Foram três anos de pesquisas em que Caetano foi poucas vezes consultado. "Tivemos encontros ocasionais, depois de shows", conta Ivo. "Caetano não respondeu nem mesmo à carta que lhe enviamos no início. Lemos que ele gostou do livro. A falta de retorno foi até positiva, embora ela nos tenha dificultado a pesquisa. Acho que ele ajudou a solidificar nosso distanciamento crítico", desculpa Ivo.
A idéia do livro surgiu em dezembro de 1989 no Canecão no Rio, quando o casal assistia ao show "O Estrangeiro". "Além da identificação com Caetano, nos demos conta de que reina um injustificado silêncio acadêmico em torno dele. As dissertações e teses feitas sobre Caetano versam sobre o tropicalismo. Chico Buarque foi bem mais estudado do que Caetano".
A metodologia foi examinar os 24 discos de Caetano lançados entre 1967 e 1993 e tirar dali uma explicação. "O objeto se prestou à interdiscilinaridade e usamos psicanálise, teoria literária, teoria da comunicação, filosofia e pós-modernismo", conta Gilda.
Ivo acha que Caetano criou sua obra através de uma visão múltipla, que tenta captar a multiplicidade do real: "Daí se defronta com o dilema. É um ser corrosivo diante de um mundo corroído".
O compositor combina a corrosão, diz o casal, ao investimento na alegria, uma maneira de reafirmar o "eu". "É a sombra e a aurora a que aludimos no título", diz Gilda. Aurora e sombra, explica, são categorias criadas por Nietszche. Outras imagens nitzschianas assimiladas por Caetano são a do "livre pássaro" –a liberdade– e a aranha, identificada como "símbolo da malha lógica". Ivo aponta o conceito de "eterno retorno" de Nietzsche como uma aquisição tardia do músico: "A partir de 'Circuladô', ele realiza a repescagem estética de sua trajetória, uma retomada dos primeiros passos".
A dupla de pesquisadoras tem certeza de que o músico leu o filósofo em profundidade. "Nietzsche é um elemento fundamental para se entender a obra de Caetano. Ele o estudou na faculdade. Depois, em Londres, ele se reaproximou do filósofo por influência de Jorge Mautner", diz Ivo.
Para Ivo, Caetano tem um talento de manipulação da mídia que o aproxima à figura do dr. Mabuse. "Seu olhar de deslumbramento pela mídia vem do fato de ser um migrante baiano vivendo no Rio e em São Paulo. Isso lhe deu também uma sabedoria em relação ao assunto. Assim, aconteceu desde o início um casamento de interesses entre mídia e ele que até hoje não conheceu divórcio".
O livro passou por seis editoras até conseguir sair. Na noite de autógrafos, no último dia 14, Caetano não compareceu. "Esperávamos pela reação porque já havíamos desvendado a estrutura personalógica dele via obra".
O casal suspeita de que o músico está assustado com o livro. "Chegamos á conclusão de que ele é mais um personagem do que uma personalidade", diz Ivo. "Ele cria um personagem público para se resguardar. Nas entrevistas que dá, ele deixa escapar um ato falho quando insiste em dizer: 'Isso é verdade, é exatamente o que eu sempre disse'. Ele dá sintoma de ter a necessidade de solidificar em público uma imagem, quando sabemos que são muitas".

Título: Caetano. Por que não?
Autores: Ivo Lucchesi e Gilda Korff Dieguez
Lançamento: Leviatã, 398 págs.
Preço: CR$ 9.800 nas livrarias; CR$ 7.000 por reembolso postal: Leviatã Publicações (r. Muniz Barreto, 336/201, CEP 22251, tel. 021/551-9759, Rio de Janeiro)

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