São Paulo, terça-feira, 4 de janeiro de 1994
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A guerra dos calendários

ANDRÉ LAHOZ MENDONÇA DE BARROS

O ano de 94 se inicia com um novo plano em andamento. Já há indícios de que o novo indexador, a URV, poderá ser criado antes da aprovação do Orçamento pelo Congresso. Dada a sua relevância para o plano, é interessante discutir alguns pontos ligados a ela.
Mesmo em um cenário de extrema instabilidade como o atual, existe uma estrutura de preços relativos de equilíbrio. Quando as taxas de inflação se mantêm estáveis, ainda que elevadas, os preços podem estar relativamente equilibrados (afora, obviamente, variações sazonais existentes em todo o mundo). Quando a taxa dá um salto de patamar, na verdade a economia, respondendo a algum choque, tenta achar um novo equilíbrio. Se isso não é possível, a aceleração continua e temos aí uma hiperinflação.
O problema portanto é tentar passar para nova moeda um sistema de preços relativos de equilíbrio. E é mais fácil conseguir isso com o plano atual do que com um congelamento. No caso do congelamento de preços, o equilíbrio deve ser perfeito no minuto do choque. No caso atual, a equipe ganha um prazo mais longo. Afinal, entre criar a URV como indexador e transformá-la em moeda pode-se tentar fazer com que os agentes passem a trabalhar em URV com seus preços relativos equilibrados. Se todos tentarem ganhar um pouco em termos reais ao fazerem a conversão, possivelmente teremos o fracasso do plano.
O pré-requisito para fazer essa conversão com possibilidade de sucesso é o equilíbrio das contas públicas, tanto por retirar um fonte de pressão sobre os preços como por agir sobre as expectativas dos agentes. Se isso ocorrer e a passagem para a nova moeda for feita com prazo e confiança suficiente, um sistema de preços de equilíbrio poderia ser conseguido em URVs e, com isso, a inflação poderia cair signfificativamente.
Os problemas, no entanto, são muitos, sugerindo que essa passagem para URVs não será tão simples. Em primeiro lugar, a aprovação do Orçamento não parece tarefa tranquila.
Por outro lado, há o calendário político do ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso. Esse calendário já parece ter influído na escolha da estratégia de combate a inflação, quando se abandonou tanto um plano realmente gradualista quanto um choque tipo um congelamento. No caso do choque, seria apenas mais uma irresponsabilidade que provavelmente explodiria em meados do ano –próximo da eleição. No caso do gradualismo, as respostas na taxa de inflação são mais lentas, correndo-se o risco de chegar as vésperas das votações com números ainda muito elevados. Ao adotar a polítca atual, a mudança de moeda pode ocorrer em meados do ano, com tempo suficiente para o atual ministro colher o bônus da queda da inflação.
Porém, se esse mesmo calendário eleitoral acabar por antecipar a passagem da URV de indexador para moeda, corre-se o risco de os agentes não conseguirem achar preços relativos de equilíbrio em URVs. Se o ministro não atentar para essa questão quando definir o dia "D" da URV e se fixar apenas em questões eleitoreiras, poderá criar a nova moeda de tal forma que ela nascerá com distorções nos preços. A inflação em URVs se tornaria inevitável, fazendo fracassar o que, em teoria, é uma boa idéia.

Hoje, excepcionalmente, deixamos de publicar o artigo de José Serra, que escreve às terças-feiras nesta coluna.

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