São Paulo, quinta-feira, 6 de janeiro de 1994
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Meninos de rua trocam dia pela noite

ANDRÉ LOZANO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM MANAUS

Meninos de rua de Manaus (AM) estão dormindo durante o dia na praça São Sebastião (centro) para se sentir vigiados. Segundo eles, à noite sofrem perseguições e violência de policiais militares. Por isso permanecem acordados para poder vigiar uns aos outros. M.C.L., 16, disse que foi espancado por um PM e que a ameaça de policias se intensificou nas últimas três semanas.
"O que acontece é que as galeras (gangues de rua formadas por adolescentes da periferia) vêm para a praça, assaltam as pessoas e depois a polícia acaba descontando na gente que está dormindo. Os PMs acham que nós somos os assaltantes", contou E.D.L., 18.
M.C.L. disse que foi pego por quatro PMs na véspera do Natal e espancado dentro de um carro da polícia. "Eles me arrebentaram todo", disse o garoto, mostrando vergões nas costas e braços. "A noite, na escuridão, a gente se torna um alvo fácil para a polícia", acrescentou M.C.L.
Na praça, cerca de 12 jovens entre 12 e 18 anos, vão "pegar no sono" a partir das 8h. "Muita gente que passa e vê a gente dormindo pensa que nós somos vagabundos, mas na verdade estamos recuperando o sono perdido à noite", afirmou um garoto que não quis se identificar porque afirmou ser "conhecido dos homens (policiais)".
Os adolescentes disseram que não procuram o SOS Criança porque têm medo de represálias. "Ninguém acredita na gente. O negócio é dormir de dia porque contamos com testemunhas", afirmou E.D.L..
A maioria dos garotos que vivem na praça São Sebastião –um dos pontos turísticos de Manaus, em frente ao Teatro Amazonas– diz que foi expulsa de suas casas por ser viciada em cola. "Eu fui mandado embora de casa porque cheirava cola e agora vivo como guardador de carro", contou C.P.S., 13, que disse arrecadar até CR$ 4.000 aos sábados.
O subsecretário de Segurança Pública do Amazonas, coronel Daniel Mar –responsável pela apuração de violência cometida contra adolescentes de rua–, afirmou desconhecer casos de agressões de policiais militares aos garotos que vivem na praça São Sebastião. "Isso nada mais é do que onda de terrorismo por parte dos menores", afirmou o secretário.
"Isso é um absurdo porque a função da polícia é proteger os meninos de rua e não ameaçá-los", disse o promotor da Vara da Infância e Juventude de Manaus, Públio Caio Bessa Cyrino. Segundo ele, não foram registrados casos de agressões de policiais e adolescentes nos últimos meses. "Os jovens não denunciam por medo", acrescentou o promotor.
O relações públicas da PM de Manaus, major Alcides Costa, disse que o comandante do policiamento da capital, coronel Edson Nascimento, determinou ontem apuração das denúncias de violência envolvendo PMs. "Não podemos deixar que a praça São Sebastião se transforme em uma Candelária", disse o major Costa, referindo-se à chacina de meninos de rua no centro do Rio, no ano passado. Costa informou que o Comando da PM designou policiais à paisana do Serviço de Inteligência da corporação para investigar as denúncias durante a madrugada.

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