São Paulo, quinta-feira, 6 de janeiro de 1994
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A imagem roubada

CARLOS SARLI

Cinco da tarde de uma quinta-feira chuvosa. Uma das maiores autoridades em direitos autorais e uso de imagem sai do Fórum ansiosa para analisar com calma a sentença proferida pelo juíz.
Dez horas de quinta-feira. Lado norte da ilha de Oahu, no arquipélago havaiano. Um fotógrafo da Califórnia detona o vigésimo rolo de filme de um dia clássico. Ondas de dez pés batem firme sobre os corais de Pipeline. Enquanto isso, a advogada folheia atentamente os dez volumes do processo. Aparentemente nada pode haver em comum entre os dois personagens.
Errado. Para entender a ligação entre o fotógrafo Aaron Chang e a dra. Eliane Abrão é preciso retroceder três décadas, quando um fotógrafo amador que gostava de documentar suas viagens ao Havaí resolveu criar a primeira mola propulsora da história do surfe como fenômeno de massa. Naquela época o embrião da revista 'Surfer' contava com apenas algumas páginas preto e branco com fotos granuladas que mostravam com pouca nitidez as performances dos amigos do autor.
Em alguns anos, milhares de garotos sonhavam em cavalgar as ondas gigantes. Surgiram novos designs de pranchas, calções, camisetas, outras revistas e os primeiros milionários.
Mudou muita coisa, mas surfista e fotógrafo continuam sendo o núcleo da célula principal desse processo. O que era uma ação entre amigos virou uma indústria processadora de tecnologia de ponta. O fotógrafo que produzia por hobbie e entregava suas fotos pelo simples prazer de vê-las publicadas, o surfista que vibrava ao ver sua foto num anúncio de prancha ou o editor que remunerava seus colaboradores com duas cervejas pertencem ao passado.
Hoje, uma lente auto focus Canon de 800mm, indispensável a um fotógrafo, tem seu preço cotado entre US$ 5.000 e US$ 10.000. Um bom profissional carrega consigo algo em torno de US$ 30 mil por mês entre patrimônio e contas a pagar.
O surfista tem que conseguir bons patrocinadores que lhe paguem um bônus por foto publicada em revistas e uma soma ainda maior para utilizar sua imagem em anúncios. Tudo isso para que possa ter um bom técnico, um preparador físico, 10 a 15 pranchas de alta performance, seguro-saúde etc.
Na ponta do processo, as revistas de surfe passaram a movimenta milhões de dólares, milhares de exemplares–inclusive no Brasil.
O curioso porém é que a cada dia aumentam os litígios entre as três partes e uma quarta recentemente incorporada: anunciantes.
Em geral a causa dessas pendências é a ignorância de alguns conceitos básicos que definem quem pode o quê. O fotógrafo é autor da obra artística. O surfista é um atleta profissional exercendo sua atividade. Sua imagem só poderá ser usada para fins comprovadamente jornalísticos. A relação entre editores e anunciantes deve ser administrada com tato, atenção, clareza e tendo em mente um preceito fundamental: o direito –como gosta de frisar a dra. Eliane– como não sendo uma ciência exata. Seu cliente Chang aprendeu isso vivenciando dezenas de utilizações ilícitas de suas obras ao longo de 20 anos.
Qualquer outro membro desta rede de relações que não dedicar algumas boas horas a esse assunto corre o risco de enfrentar um advogado hábil e bem preparado e um fotógrafo competente e bem assessorado que vão ensiná-lo pelo método mais dolorido.

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