São Paulo, quinta-feira, 6 de janeiro de 1994
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Faz-de-conta

MARCELO BERABA

SÃO PAULO – A história é simples. Um dia o ex-presidente José Sarney decidiu deixar o PMDB. Tem todo o direito. Ele foi obrigado a entrar para o partido por exigências legais, em 1984, para compor a chapa com Tancredo Neves. Nunca se assumiu inteiramente como peemedebista e tem seus principais parceiros políticos em outros partidos. Nada mais coerente, portanto, que em determinado momento buscasse novo caminho.
Havia uma outra razão. O ex-presidente se sentia incomodado no PMDB e sem espaço político para a expansão de sua candidatura a presidente da República –ambição absolutamente legítima. Procurou, então, outros partidos que fossem mais próximos de suas convicções e que lhe dessem espaço eleitoral. Sarney disse para Gilberto Dimenstein, e a Folha publicou no dia 29 de dezembro, que já estava com um pé fora do PMDB e já tinha convites de outros partidos. Não conseguiu. Foi rejeitado publicamente pelo PP, PFL (onde estão seus filhos), PTB e PL.
Por "n" razões, as portas foram fechadas. Qual a atitude de Sarney? Divulgou uma nota em que afirma que nunca procurou e nem aceitaria se filiar a outro partido. Ontem, almoçou com Quércia e Fleury para aparentar que está tudo bem com ele e o PMDB. A pergunta que cabe é a seguinte: a quem o ex-presidente pretende enganar?
Este episódio menor (e volta e meia assistimos episódios semelhantes com personagens diferentes) serve apenas para ilustrar bem uma das regras que ainda prevalece na política: a de que o jogo do faz-de-conta é sinal de experiência e de esperteza. Faz parte do capítulo que trata ainda das virtudes milagrosas do marketing eleitoral (o que importa é o que parece ser, e não o que é) e daquele velho refrão de que o que vale é a versão, e não os fatos.
Este episódio vai ter consequência maior na vida nacional? Evidente que não. Agora, que além de extrair um pouco mais de credibilidade do ex-presidente ele colabora para o ceticismo dos eleitores, não tenho dúvida. Nem todos os políticos perceberam ainda que o amadurecimento que a sociedade está exigindo passa por uma mudança de comportamento nos grandes e pequenos episódios. E que não é só a corrupção que enche a paciência.

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