São Paulo, quinta-feira, 6 de janeiro de 1994
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Bem e mal estão juntos na 15 de Novembro

DO ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

Cordiais ou nem tanto. É na mesma rua 15 de Novembro que o espírito curitibano reservou um espaço para gentilezas –a Rua das Flores– e maledicências –a Boca Maldita. A Rua das Flores foi o primeiro calçadão do país e está fechada ao trânsito das máquinas mortíferas desde 1972. É um lugar em que floreiras e mesas na calçada de pedras "petit pavê" contribuem para a chamada alegria de viver. Na Boca Maldita, "subdistrito" da Rua das Flores, ao contrário, vale tudo, principalmente infernizar a vida alheia. O lema, pasmem, é "nada vejo, nada ouço, nada falo".
São dois dos cenários indicados pela Linha Pinhão no trecho que vai da Universidade Federal do Paraná à praça General Osório, espécie de sala de visita de Curitiba. Entre dois marcos da arquitetura local, o majestoso edifício da Universidade, a primeira do país, e o Teatro Guaíra, o maior da América Latina, a praça Santos Andrade recebe os visitantes com o porte de suas araucárias e seu jeito de tempos menos hostis.
É na praça que a cidade organiza um dos dois grandes espetáculos com os quais quer se firmar, também, como a "capital do Natal". Este ano, as colunas da fachada neoclássica da Universidade abrigaram um presépio gigante e um espetáculo natalino –o outro espetáculo aconteceu no palácio Avenida, sede do Bamerindus, na esquina da rua 15 de Novembro e travessa Oliveira Bello. Saindo da praça, passa-se por prédios como o Correio Velho e o Grande Hotel Moderno, marcos da arquitetura e do estilo de vida da capital paranaense.
Outros marcos se distribuem pela rua 15 de Novembro. Como as Livrarias Ghignone, com sua célebre porta de madeira de lei, cantada em verso e prosa; a Galeria Schaffer, ex-sede da antiga Confeitaria Schaffer e hoje, depois do incêndio de 1978, um dos pontos culturais da cidade; a Confeitaria das Famílias, que ainda hoje produz as receitas que fizeram o sucesso do estabelecimento fundado nos anos 40 pelo espanhol Jesus Alvarez Terzado etc.
Cruza-se a quilométrica rua Marechal Floriano Peixoto, avança-se até a alameda Doutor Muricy e se chega ao epicentro de gentilezas e maledicências. No Bondinho da Rua das Flores, os pais podem "estacionar" os filhos enquanto fazem compras, e no Palácio Avenida, no fim do ano, é difícil não se emocionar com as crianças que cantam músicas natalinas do "palco" iluminado de sua fachada. É o lado gentil de uma cidade gentil.
A Boca Maldita, e "sucursais" como os bares Mignon e Triângulo, é um espaço para a fofoca masculina, aquela que começa como um fio d'água e termina como um Amazonas –segundo as, digamos, fofocas, coube ao lugar parcela de responsabilidade pela cassação do governador Haroldo Leon Peres, nos anos 70. Mais à frente, na avenida Luiz Xavier, sequência da 15 de Novembro e, para os curitibanos, a "menor do mundo", os "caras-pintadas" paranaenses ajudaram a cassar o presidente Collor.
Na rua 15 de Novembro, ao que parece, tudo é possível. Assim, não se surpreenda se, na véspera de Natal, o Cristo reencarnado sair desfilando carregado num trono –é uma manifestação da "igreja da Soust", que apregoa ser a "única de Cristo". (Federico Mengozzi)

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