São Paulo, quinta-feira, 6 de janeiro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Pinheiro é o 'santo padroeiro' da cidade

DO ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

"É a Araucaria brasiliense, alta, imóvel, elegante e majestosa, que mais contribui para dar aos Campos Gerais uma feição característica", escreveu o naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire depois de percorrer o Paraná, em 1820. Meio século mais tarde, entre 1872 e 1875, outro viajante europeu, o inglês Thomas Plantagenet Bigg-Wither, passou pela província e descreveu o fruto do pinheiro como "oblongo, de cerca de uma polegada e meia de comprimento, com um diâmetro de meia a três quartos de polegada na parte grossa..."
Se Curitiba (Coré-etuba) quer dizer lugar de muito pinhão em tupi-guarani, nada mais natural que o pinheiro –ou, cientificamente, Araucaria angustifolia; ou ainda pinho, pinheiro-do-paraná, pinheiro-brasileiro, pinheiro-caiová, pinheiro-das-missões, pinheiro-são-josé etc.– seja também um símbolo da cidade. Da faixa de travessia de pedestres ao friso esculpido da recém-inaugurada coluna com a imagem de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, são muitos os exemplos que mostram o pinhão como motivo de decoração da cidade.
As pedras das calçadas de Curitiba reproduzem motivos como o pinhão e o pinheiro, praças como a Santos Andrade têm belos exemplares de araucárias e até o roteiro cultural e histórico para conhecer a cidade a pé lembra o tema –é a Linha Pinhão/Pegadas da Memória. E, para que ninguém se perca ou tenha problemas de identidade, há uma "pinha-dos-ventos" no cruzamento das ruas Barão do Rio Branco e 15 de Novembro –aí, três percursos do roteiro a pé se encontram.
Poetas paranaenses como Emílio de Menezes e Paulo Leminski cantaram, cada qual à sua maneira, essa espécie nativa que, no final do século 18, pela madeira de boa qualidade e o tronco reto que pode chegar a 50 metros, ganhou o status de propriedade real. Pela carta régia de 13 de março de 1797, o pinheiro só poderia ser abatido em benefício da coroa portuguesa, que o reservava para a construção de navios. A partir da Primeira Guerra Mundial, chegou a representar 75% do total de árvores abatidas no país e a devastação correu solta.
Um dos recursos econômicos mais importantes do Estado durante várias décadas –o ciclo decaiu a partir do final da Segunda Guerra–, o pinheiro é um elemento indissociável da cultura paranaense e comparece em áreas tão pouco ortodoxas quanto a culinária e o folclore. Entre os pratos à base de pinhão estão sopas, suflês, panquecas e até pudins e bolos. Já entre as crendices populares, anotou Ariosto de Espinheira em "Viagem através do Brasil", estão "verdades" como esta: quando as pinhas caem sem intervenção do homem, é augúrio de paz e felicidade.
Espécie de boi vegetal, do pinheiro só se perde o rangido. Em comunicado publicado em 1888 na revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, escreveu Antônio Ribeiro de Macedo: "O pinheiro é uma árvore preciosa nesta Província. Quase só com os seus produtos pode-se fazer uma casa, e aliás bem confortável. O vigamento, a coberta, as paredes, as portas, as janelas, o soalho e o forro, tudo pode ser feito de pinheiro." E mais, notou: "Dá um excelente fruto..."
Há 300 anos elevado à condição de vila, o povoado de Nossa Senhora da Luz e do Bom Jesus dos Pinhais, ou Curitiba, tem no pinheiro –rimas à parte– quase um padroeiro. (Federico Mengozzi)

Texto Anterior: Natureza teima em dar as cartas na cidade
Próximo Texto: Ano começa bem para o grupo Transbrasil; 'Guia Brasil' sai agora em língua espanhola; Lisboa abre Bolsa de Turismo no dia 19
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.