São Paulo, sábado, 8 de janeiro de 1994
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A CPI curvou-se

JANIO DE FREITAS

A CPI está montando um final contraditório, que vai propor cassações suficientes para negar que "tudo acabou em pizza", mas nem por isso estará livre da acusação de parcialidade, caracterizada pelo rigor com uma parte dos suspeitos e pelo favorecimentos aos demais, proporcionando-lhes condições propícias à inocentação sumária. Os três dias em que, nesta semana, a CPI já funcionou com novo sistema, comprovaram a ocorrência da parcialidade comprometedora.
O novo sistema dividiu os depoentes em duas classes. Dos 26 parlamentares denunciados por José Carlos Alves dos Santos, os 10 que ainda não depuseram compõem uma das classes. Investigados durante 80 dias, os levantamentos a seu respeito, realizados pelas quatro subcomissões, estão completos e organizados para a inquirição. Mas eles não são submetidos à arguição do plenário da CPI, sendo os seus depoimentos tomados por apenas três parlamentares. Sabendo-se que poucos integrantes da comissão dão-se ao trabalho de estudar mesmo os dossiês e deles extrair as perguntas necessárias, é evidente que os interrogados desta classe contam com a vantagem de escapar à concentração dos bons inquiridores do plenário, que se complementam mutuamente no aprofundamento dos interrogatórios. Foi por esta ação conjunta, para citar um caso, que se desmontou a estrutura de defesa levada à CPI por Ibsen Pinheiro.
A outra classe de suspeitos é composta pelos que apareceram na lista da empreiteira Odebrecht, com um percentual ao lado do nome, ou em outros documentos da empresa. Os levantamentos a seu respeito não passaram ainda das preliminares, quando a elas chegaram. Estes, porém, são os destinados a depoimentos perante o plenário da CPI. Só que não há documentação da qual extrair perguntas. Por isso esvaziado (só seis parlamentares se inscreveram ontem para "interrogar" o deputado Waldemiro Lima), o plenário faz de conta que pergunta, o depoente faz de conta que explica e a mesa da CPI faz de conta que aquilo é coisa a ser levada a sério.
O depoimento de um suspeito é o ponto crucial na atividade de uma CPI, porque é a ocasião em que se confrontam a documentação coletada pelos investigadores e a defesa do investigado. Essa ocasião é que propicia o juízo de valor que vai figurar no relatório, definindo o investigado como inocente ou culpado. Logo, os depoimentos só devem ser tomados depois de concluído o levantamento para a inquirição profícua. E da inquirição é indispensável que participem, não só três parlamentares escalados de maneira sempre polêmica, mas todos os incumbidos de contribuir para o cumprimento da missão da CPI.
O novo sistema, que a uns proporciona a inquirição sem que haja elementos para inquirir e, a outros, permite escapar do cerco do plenário, beneficia as duas classes de atuais depoentes. Por acaso ou não, entre estes estão vários dos que o PMDB, o PFL e o PPR queriam evitar que fossem investigados e inquiridos. Para dar um exemplo do resultado que o novo sistema produziu, com os depoimentos desta semana, é suficiente o caso do deputado José Carlos Aleluia. Um dos que mais indícios têm contra si, ele aparece até em ata da empreiteira Odebrecht que narra o seu compromisso de defender os interesses da empresa. Mas sobre Aleluia as subcomissões ainda não puderam fazer os levantamentos bancário, de Imposto de Renda, no cadastro do Incra, de sinais exteriores de riqueza, de subvenções, de crescimento patrimonial e outros. No seu depoimento, os inquiridores não tiveram como inquiri-lo devidamente.
Ibsen Pinheiro, Genebaldo Correa e outros depoentes da primeira fase da CPI só foram inquiridos depois de minuciosamente organizados os seus dossiês. E foram inquiridos pelo plenário em que uns motivam outros. Se submetido às mesmas condições proporcionadas aos atuais depoentes, provavelmente Ibsen Pinheiro sairia da CPI inocentado, e talvez outros mais.
O sistema de parcialidade e favorecimento foi adotado por 13 a 7 na CPI. Questionado anteontem, só recebeu os votos contrários de Aluizio Mercadante, Sigmaringa Seixas, Luis Salomão e Benito Gama (só votam os membros efetivos da CPI, daí que não apareçam, junto aos quatro, outros integrantes de notória seriedade). Os dois escores evidenciam que a parcialidade e o favorecimento são deliberados. Na reta final, a CPI acabou dobrada pelas conveniências políticas.

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