São Paulo, sábado, 8 de janeiro de 1994
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Bailarina concretiza desejo de coreógrafos

ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Faz 17 anos que Márcia Haydée dirige o Ballet de Stuttgart. "São poucos os que conseguiram conduzir uma companhia desse porte durante tanto tempo", diz. "Acho que me convidaram para dirigir o Balé Nacional do Chile porque perceberam que não me assusto com dificuldades. Se a situação está difícil, luto para conseguir o que quero".
Márcia também foi convidada, em julho do ano passado, para dirigir o Ballet da Opera de Berlim. "Tive que recusar. O elenco e a organização do Stuttgart se abalaram quando me viram dividida". Resolvida a situação, Márcia deve alternar estadas na Alemanha e Chile. "As viagens a Santiago serão mensais".
A parte as funções administrativas, ela tem várias apresentações marcadas. No fim deste mês estréia um espetáculo de Roberto de Oliveira –bailarino brasileiro do elenco do Stuttgart que, segundo Márcia, está se revelando como coreógrafo. Em seguida, participa da turnê do Stuttgart pelo Japão, dançando em uma remontagem do musical da Broadway, "On Your Toes". Com o novo grupo de Maurice Béjart, o Rudra, estrela "Amo Roma" em Paris.
"Para dizer a verdade, eu pararia de dançar agora. Já não tenho tanta necessidade. Mas, quando penso nisso, um coreógrafo me requisita. Por outro lado, acho importante quebrar o tabu de que uma bailarina tem carreira curta. Se a capacidade prevalece, é possível dançar obras feitas para o momento de cada um."
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Folha - Como é seu papel em "Amo Roma", de Béjart?
Marcia Haydée - "Amo Roma" é sobre Fellini, Nino Rota, Ana Magnani e Giulietta Masina. De certa maneira, represento eu mesma, como mulher, e ao mesmo tempo a mulher dos sonhos do Fellini. Também represento a cidade de Roma, a prostituta, a filha, a santa, a mãe. Sabe como é o Béjart, ele mistura tudo. Danço de tênis, sapatos de saltos altos, sapatilhas de ponta. Béjart faz com que eu me movimente de maneira diferente, ele me vê de forma diferente e me desafia sempre.
Folha - Os coreógrafos sempre gostaram de criar especialmente para você...
Haydée - Posso dizer que sempre dancei obras feitas para mim, durante toda minha carreira. Sou um produto dos coreógrafos. Quando eu tinha 10, 12 anos, Vaslav Veltchek, então diretor do Balé do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, já compunha para mim. Depois, citando os mais famosos, ganhei criações de John Cranko, Béjart, John Neumeier, Glen Tetley, Kennet McMillan, Hans van Manen. Para isso, além do talento, é necessário um dom especial: ser capaz de tornar-se o desejo do coreógrafo. Em geral os bailarinos têm um ego enorme, não querem perder a personalidade e não deixam o coreógrafo entrar dentro deles. Embora tenha uma personalidade muito forte, eu desapareço no momento em que trabalho com um coreógrafo. Me transformo num desenho em branco, onde eles podem colocar a cor que quiserem.
Folha - Por sua força dramática, você já foi chamada de Maria Callas da dança. Como você se desenvolveu como bailarina-atriz?
Haydée - Quando John Cranko criou "Romeu e Julieta" para mim, em 1962, eu entendi minha real capacidade. Percebi que era insuficiente apenas dançar, me elevar nas alturas, exibindo proezas técnicas. Depois Cranko me fez "Oneguin", "Carmen", "A Megera Domada" e, à medida que interpretava essas peças, seguidas de outras como "A Dama das Camélias" e "Um Bonde Chamado Desejo", de Neumeier, senti que o que mais gosto de fazer é dançar como uma atriz, dizendo alguma coisa a mais para o público.
Folha - O que foi decisivo para você vencer fora do Brasil?
Haydée - Primeiro foi meu amor pela dança. Era tão grande que eu não podia fazer nenhuma outra coisa. Depois, contribuíram a disciplina, o trabalho, a paciência, a força para enfrentar maus momentos. Para chegar onde cheguei, tudo teve um preço. Mas as dificuldades me trouxeram uma perseverança muito grande.
Folha - Em meio à diversidade da dança atual, o que você acha que vai prevalecer?
Haydée - As grandes criações, independente de estilo ou época, serão sempre eternas. Hoje há coreógrafos que tentam ser tão modernos que depois de um ano suas obras já estão velhas. Vivemos a era dos computadores, as mudanças são muito rápidas. Acho que o final de milênio será muito difícil mas o ano 2.000 trará a renovação. Haverá uma limpeza geral, inclusive nas artes.
Folha - Além de Richard Cragun, você dançou com Nureyev e Jorge Donn. O que faz com que, no palco, um bailarino complete o outro?
Haydée - É uma questão de química. Danço com Cragun há 30 anos e, dançando, é como se fossemos um. Nossa respiração, nsosa maneira de dançar, tudo flui em harmonia. Jorge Donn também foi um encontro especial. No palco, vivíamos uma relação de amor. (Ana Francisca Ponzio)

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