São Paulo, sábado, 8 de janeiro de 1994
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A estupidez das elites

FRANCISCO C. WEFFORT

FRANCISCO WEFFORT
Aqueles que pensam que o povo não sabe votar só podem ter como premissa o fato de que outras pessoas não votam como eles. Só podem ter como premissa que são perdedores e que os "outros" formam a maioria. De outro modo, a questão deixaria de existir. Minha opinião é que o povo sabe votar. As elites é que não sabem governar. Ou melhor, não sabem criar instituições que permitam ao povo criar governos capazes de governar.
Dois exemplos: Jânio e Collor. A notável maioria que elegeu Jânio em 1960, para a Presidência, é inteiramente compreensível. Ela via em Jânio renovação moral e política, ruptura com o populismo getulista, uma nova chance para os "humildes". Do outro lado estava o general Lott, ao qual as elites nacionalistas pretendiam atribuir um enorme sentido ideológico, mas que todos sabiam que era um candidato difícil de carregar.
Em 1960, a maior ressonância popular de Jânio era evidente e não me lembro de alguém com responsabilidade política entre os derrotados dizer que o "povo" não sabia votar. Tivemos depois o episódio da renúncia, com as consequências que se sabe. Pode-se considerar como um erro do "povo", que este não tenha adivinhado o que estava para acontecer?
Em 1989, Collor prometia renovação moral da política, ruptura com privilégios enquistados no Estado, reformas econômicas, modernização do país, apoio aos "descamisados". Do outro lado, surgia a figura de Lula, surpreendendo, até mesmo assustando, a maioria que se formava ao lado de Collor.
Particularmente por se tratar de uma candidatura de origem operária, Lula tinha que lavrar no terreno difícil de um país majoritariamente conservador. Assim, se os que votaram em Collor o fizeram por acreditar em suas promessas, votando nas (poucas) virtudes que conheciam, ignorando totalmente seus (muitos) defeitos, também é certo que o fizeram por medo do futuro que Lula anunciava. E nisso terão sido presa de sua própria visão da vida, uma visão talvez mais conservadora. Poderia isso ser tomado como sinal de que não sabiam votar?
O que se diz acima é que o povo se divide por razões diferentes, não que vote errado. O povo vota certo, ou seja vota de acordo com as suas próprias razões. O sistema é que está errado. Particularmente em dois pontos: o dos partidos e do sistema eleitoral.
O problema em 1960 não era a maioria ter escolhido Jânio, mas sim que Jânio não respondia pelos partidos que o apoiaram e estes não respondiam por ele. Com Collor foi ainda pior. Não tinhamos partidos consolidados em 1960, não os tivemos em 1989 e, a depender de nossas elites políticas, ficaremos ainda muito tempo sem eles.
Se por baixo do problema dos partidos está o do sistema eleitoral, o nosso, de representação proporcional e de lista aberta, tem como principal "virtude" precisamente a de dificultar a consolidação dos partidos. Eis um dado obrigatório para alguém que pretenda algum dia escrever um tratado sobre a estupidez das elites políticas no Brasil.

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