São Paulo, domingo, 9 de janeiro de 1994
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Jackson do nosso pandeiro

RICARDO SEMLER

Que o ramo gera cabelos brancos não se discute. É só olhar para o Fernando Henrique. Em poucos meses acinzentou todo. O que faz tantas pessoas abrirem mão de sua qualidade de vida em favor de uma experiência massacrante como a política? Acima de tudo, a vaidade, claro. E não há uma conotação puramente derrogatória nisto. Afinal, é a auto-estima que move os seres humanos. Desde o faxineiro que quer se sentir reconhecido até o Itamar, que manifesta seus confrontos com a vaidade em público. Até aí, o óbvio e nada mais. Tem algo mais no ar? Ora, por que é que o Ghandi posava diuturnamente para fotos, a Irmã Dulce para a TV e o Betinho para todas as publicações possíveis? Por que há centenas de pessoas que fazem o bem todo dia e contudo são totalmente desconhecidas? E a população, como divide uns de outros?
Teria o Betinho a luz verde nacional se a sua morte não fosse uma possibilidade concretamente próxima? É crueldade discutir isto? Diminui a sua importância, seu amor genuíno pela humanidade e seu extraordinário programa? E, se temos a certeza de que muitos dos que ocupam os holofotes são quase-canonizáveis, e outras formas longilíneas de satanás, por que não sabemos diferenciar uns dos outros? Por que não desconfiamos antes do Michael Jackson? E o fato de ele ser criminoso diminuiu o número de fãs presentes aos seus concertos? Ou só após seu sentenciamento definitivo o público desaparecerá? Desaparecerá? Nem a pau...
O Pablo Escobar era muito querido em Medellín. Seu enterro foi emocionante, declarações infindáveis o definiam como santo e doador incansável. Lembranças dos morros cariocas, onde seus maiores criminosos são aguardados com festa comunitária na volta do xilindró. Já o Ciro Gomes, tido como paladino da lisura administrativa disputa palmo a palmo sua posição de governador mais popular do país com o ACM, conhecido pela alcunha de malvadeza, parceiro de regimes de ditadura e hoje investigado por crimes eleitorais e contas fantasmas. E o que fazem Jorge Amado e Zélia Gattai puxando o saco do ACM? Será o poder tão magnético assim?
Mas conotações de truculência e desprezo pela lei pegam bem, contanto que acompanhados de cara-de-pau inamovíveis. Não foi o Maluf que disse que era mais honesto do que Jesus Cristo? Deve ser ele o modelo da nova Denilma Malufa, que faz comemoração com champanha quando a "CNN" a chama de ridícula. E o Reynaldão não disse que não dá bola pra esse negócio de embargo de obras, vai tocar tudo em frente, caia o que caia, prejudique o que prejudique? Estão certos eles, e mais o Quércia, que volta com tudo, com rendições humildes de todos do partido, inclusive o coitado do Sarney, que enfiou o rabo entre as pernas. O que move esse pessoal que nunca ouviu falar de desconfiômetro ou amor próprio?
A CPI vai ser um fracasso retumbante, com cara de pequena vitória. Afastaremos alguns "anõezinhos" intelectuais e elegeremos, na boa, uma nova leva de corruptos e cínicos, que assumirão às gargalhadas, e com promessas de limpar o país. A vaidade vencerá, mais uma vez, e nós continuaremos indo a concertos dos Michael Jacksons que nos entretem com suas danças inacompanháveis. O joio e o trigo se confundem. Que as vaidades alheias não nos ceguem acintosamente. Olho vivo, farofino...

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