São Paulo, domingo, 9 de janeiro de 1994
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Negócios da China

OZIRES SILVA

A China realmente mudou; está mudando para melhor, com rapidez, numa forte e pragmática tendência de modernização das suas milenárias estruturas. Estima-se que metade do Produto Mundial Bruto (da ordem de US$ 7,5 trilhões em 1990), no ano 2000, deverá provir da Asia e grande parte será decorrente da contribuição chinesa.
O clima das mudanças vêm do próprio cidadão que acredita fortemente na modernização e no seu consequente enriquecimento. Crê também que pode oferecer ao Ocidente um exemplo de como conciliar as mudanças econômicas com a estabilidade social, conservando a liberdade e a ordem.
A escalada para o progresso não tem sido fácil para esse país, cujo povo sofreu muito ao longo de sua história. A "Grande Marcha" de Mao Tse-tung, por exemplo, de 1958-60, levou pelo menos 40 milhões de chineses à morte pela fome. Mas isto acabou e hoje os chineses trabalham com os olhos voltados para o futuro e confiantes no seu sucesso.
Em 1962 a renda anual per capita era de apenas US$ 60, entre as mais baixas do mundo e já em 1991, atingia US$ 370 (o que é significativo para um país tão complexo, populoso e geograficamente grande).
Um pergunta pode ser feita. Por que isto aconteceu? A resposta não é simples. A explicação dada parece caminhar no sentido da velha Lei de Pareto, expressada há mais de 70 anos: "a riqueza da sociedade é uma consequência direta da distribuição da renda e esta, entre as classes da população, é determinada simplesmente por dois fatores: a cultura da sociedade e o nível da produtividade da economia". Em outras palavras, quanto mais produtiva (ou eficiente) é uma economia, maior a renda e mais harmônica a sua distribuição.
A política governamental chinesa, muito interessante, privilegia a educação, conscientes de que a qualidade da população conta mais do que sua quantidade e representa o maior patrimônio da sociedade. É importante assinalar que, contrariamente ao que prevalece na AMérica Latina, os chineses deram mais ênfase à educação primária e secundária, embora a tarefa seja gigantesca. Imagine-se prover escolas para uma população de mais de 1,1 bilhão de pessoas, num país que cresce a um valor líquido de 15 milhões de habitantes, ou seja, uma nova Austrália por ano.
Isto não quer dizer que o número de graduados das universidades chinesas seja menor do que o dos países ocidentais. Por exemplo, em 1990, a China produziu 128 mil engenheiros, simplesmente o dobro dos Estados Unidos. É também verdade que é expressivo o número de chineses que se graduam nas escolas americanas e européias e que, melhor instrumentados, regressam à sua pátria contribuindo para o seu desenvolvimento.
No campo econômico, a fórmula do livre mercado prevalece e é aplicada cada vez com maior amplitude e abrange o trabalho, o capital e os produtos. Do mesmo modo, a política econômica geral, na busca de estabilidade macroeconômica, procura o controle da inflação, o câmbio estável e taxas de juros sempre realistas, compatíveis com os custos.
Na China, já é notável a tendência comum aos países com altas taxas de desenvolvimento. O custo do trabalho tem caído intensamente, a uma taxa de 12% ao ano, enquanto os salários têm crescido, aumentando significativamente o poder aquisitivo, embora os salários ainda sejam baixos em relação aos padrões ocidentais. É um sinal claro da crescente eficiência da sua produção.
Os reflexos da política chinesa de desenvolvimento, que já anuncia mais amplas reformas a partir de janeiro de 1994, é evidente: a expectativa de vida cresceu, nas últimas três décadas, de 43 para 69 anos de idade; a mortalidade (após os cinco anos) caiu de 200 para 40 por milhar de habitantes; o analfabetismo reduziu-se a 27% da população; e as matrículas nas escolas atinge 83% das crianças, em todo o território.
A fome não é mais problema. Embora detendo apenas 7% das terras agricultáveis do planeta a China tem sido capaz de alimentar sua população (cerca de 30% da população mundial).
No entanto, o rápido crescimento econômico vem trazendo sérios problemas para a precária infra-estrutura que pode se tornar um limitante poderoso às aspirações de crescimento permanente. Por exemplo no setor energético (a maior fonte atual de energia é o carvão), até o final do século estima-se que a China necessitará aumentar sua produção de energia primária em, aproximadamente, a do Brasil de hoje. É fácil calcular a dificuldade do problema não somente para localizar as fontes viáveis como para assegurar os recursos financeiros essenciais, sabidamente altos.
Os mesmos desafios existem nas áreas básicas de transporte (rodovias, ferrovias e hidrovias). No tráfego aéreo a expansão tem sido dramática; em 1992 o número de passageiros transportados e de carga cresceu 30% em relação ao ano anterior e é claro que os sistemas aeroportuários e de proteção ao vôo não acompanham a evolução. Este último depende das telecomunicações que igualmente necessita de fortes investimentos. As estimativas de especialistas colocam que a China deverá aplicar em sua infra-estrutura, até o ano 2000, cerca de US$ 900 bilhões.
Os chineses olham para tudo isto com preocupação mas também com espírito pragmático. Partiram para a abertura ampla de sua economia aos investimentos estrangeiros, em todos os setores, com a consciência de que essas necessidades geram mais demanda para aquecer o seu já grande mercado interno, com geração de empregos, de fábricas e de oportunidades. Hong Kong, que em 1997 será integrada à China, já é de longe o maior parceiro comercial do país. Estima-se que um quarto de toda a moeda de Hong Kong circula no continente chinês.
O futuro certamente depende da estabilidade do sistema político. Não se pode esperar que a China, com uma cultura consolidada por milênios, possa se sucumbir aos métodos ocidentais. Também não parece que esse país imenso, com mais de 90 milhões de habitantes compondo as minorias étcnicas, possa gerar conflitos raciais ou religiosos, já que recente censo mostrou ser 90% da população composta de chineses Han (ou seja, mais de um bilhão de pessoas).
O Brasil pode ser um bom parceiro desse país continente; a China não pode ser ignorada como gigante econômico e as oportunidades de negócios na área são grandes. Torna-se apenas necessário que nós descubramos e ampliemos os contactos comerciais, insistindo também para que nossas autoridades sigam o exemplo do presidente da China, Jiang Zemin, que com sua comitiva de empresários visitou o Brasil em novembro passado.
Há um grande trabalho de exploração conjunta a fazer, dos dois lados. E qualquer um pode tomar a iniciativa. Os chineses são simpáticos e alegres. Gostam de fazer amigos e parecem ter alguma preferência pelo Brasil. Cabe a nós aproveitar as oportunidades com seriedade e com perseverança.

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