São Paulo, segunda-feira, 10 de janeiro de 1994
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Planos de interesseiros

ROBERTO WUSTHOF

O Conselho Federal de Medicina está em pé de guerra com as empresas de medicina de grupo. Em recente resolução, obriga essas empresas a garantirem o atendimento a todas as enfermidades relacionadas no Código Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde.
Já é notório que os planos de saúde abandonam os seus conveniados à própria sorte quando estes adquirem determinadas doenças infecciosas ou crônicas. O exemplo mais dramático é a Aids, mas as situações em que imperam as exceções assustam pela frequência.
Numa atitude que carece de ética, as empresas inventaram uma lista negra de doenças em que se recusam a pagar. Ao invés de cobrir a internação de um aidético com pneumonia, investem numa propaganda enganosa que esbanja eficiência através de frotas de helicópteros.
No Brasil, os convênios se aproveitam da situação catastrófica da saúde pública para oferecer uma alternativa a quem se apavora diante da possibilidade de morrer numa fila de um hospital do governo. Atrás dessa chantagem vem a tapeação: no momento em que a loteria das doenças escolher uma exceção, o plano terá sido em vão. Acho que idealizaram planos de saúde para pessoas saudáveis. Os doentes são os inimigos.
Para os interesseiros da saúde, quem causar prejuízo deve ser excluído. Não se questiona a legitimidade de estabelecer critérios discriminatórios. Por que um infartado merece ter as despesas pagas, enquanto um aidético é posto à rua?
O Ministério da Saúde estuda mecanismos de empresas de medicina de grupo reembolsarem o SUS (Sistema Unificado de Saúde) pelas despesas da rede pública com tratamento médico-hospitalar de pessoas conveniadas a planos ou seguros de saúde privados. Trata-se de uma maneira interessante de talvez beneficiar instituições públicas com recursos da iniciativa privada.
O perigo consiste no encantamento dos hospitais com pacientes geradores de dinheiro. No momento de distribuir as vagas hospitalares, este tipo de cliente talvez acabaria tendo preferência sobre os mais humildes.
O "pacto de compadres" entre governo e empresas privadas apresenta poucas vantagens para o usuário. Ao lhe permitir o acesso a exames ou tratamentos de ponta só existentes em alguns centros univeristários ele ganha, mas se em função de determinada doença é encaminhada compulsoriamente a um hospital público, perpetua-se a mesma discriminação.
Tenho medo que tais acordos sirvam para desfigurar a resolução do Conselho Federal de Medicina. A voz simpática da moça da empresa de saúde então dirá: "Infelizmente o senhor não poderá ficar no Hospital Albert Einstein, mas temos um contrato operacional com o Hospital Emílio Ribas..."

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