São Paulo, segunda-feira, 10 de janeiro de 1994
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Teoria da honestidade relativa

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA – Tenho uma teoria segundo a qual o homem totalmente honesto é uma ficção. No interior de cada gigante da honestidade há um anão desonesto à espreita, pronto para escapulir. Mesmo o mais reto dos seres comete um lote de desonestidades ao longo de uma vida. Excetuando-se os absolutamente desonestos, o homem é, portanto, observada a tese probidade relativa, um ser quase honesto.
Assim é que, nos últimos dias, Fernando Henrique Cardoso e Alexis Stepanenko protagonizaram alguns desses episódios que costumam compor o prontuário dos quase probos. Os ministros viveram os seus minutos de desonestidade.
Como que apiedados de Itamar Franco, às voltas com dificuldades para compor o primeiro escalão, os dois pareciam decididos a demonstrar o quanto ainda vale ser ministro de Estado, um título enjeitado hoje por qualquer cocoroca, incluindo deputados do PMDB.
Eis o que se passou com Fernando Henrique: flagrado em alta velocidade por um guarda rodoviário, nas estradas do Rio de Janeiro, o ministro pecou. Seu filho, ao volante, fez uma perguntinha mágica: "Não está reconhecendo?" O guarda reconheceu. E, mais importante, eximiu-os da multa.
Relembre-se agora o que ocorreu com Stepanenko. Hospedado em hotéis luxuosos de São Paulo, o ministro também pecou. Tomou cerveja e vinho, fez sauna e massagem. Tudo por conta do erário. Ocupadíssimo, chegou a delegar à mulher a tarefa de assinar algumas das notas. Pilhado, ressarciu o naco das despesas que julgou rigorosamente pessoais, numa deferência especialíssima ao contribuinte.
Ao permitir que seus escorregões fossem descobertos, os ministros ofereceram a Itamar uma segunda alternativa para resolver o problema dos gabinetes vagos da Esplanada. Se, de todo modo, o presidente não conseguir preencher os cargos, pode baixar decreto concedendo o título de ministro a todos os cidadãos brasileiros.
É provável que a medida extinga a classe dos guardas rodoviários, provoque superlotação nas saunas de hotéis e acabe de quebrar os cofres públicos. Mas pelo menos se estará cumprindo a Constituição, segundo a qual todos, ministros ou não, são iguais perante a lei.

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