São Paulo, segunda-feira, 10 de janeiro de 1994
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A delação e o delator

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Quando nasci, mil anos atrás, já encontrei instalado na sabedoria universal o ditado: aproveita-se a traição, despreza-se o traidor. Pedro Collor talvez não seja o traidor de seu irmão: foi apenas o delator, que geralmente comete alguma forma de traição. O serviço que prestou ao país foi aproveitado, como se aproveitou o belíssimo serviço prestado pelo economista José Carlos. Devemos aguardar novos serviços dessa natureza.
Daí não se conclui que Pedro Collor ou José Carlos mereçam qualquer tipo de consideração cívica ou moral. Os partidos políticos, na sua quase totalidade, não são flores que se possam cheirar. Mesmo assim, acabam de recusar reboque para o sonho de Pedro Collor fazer carreira política. O fato de hoje ser nome popular em nível nacional não o recomenda. Afinal, ele só prestou o serviço depois de muitos anos de cumplicidade e proveito. E sua atitude foi detonada por ambição pessoal e não por princípio moral. Correm versões –que podem ser falsas ou verdadeiras– de que teria exigido alguns milhões de dólares para continuar quieto em Alagoas, no grupo de empresas da família. Oficialmente, em declaração espontânea, ele relaciona a decisão de contar o que sabia ao episódio do jornal que Fernando Collor e PC Farias desejavam abrir em Maceió, prejudicando o grupo que dirigia. Deixou claro que a corrupção da dupla Collor-PC já vinha do tempo em que o irmão era o prefeito local. Seu silêncio, numa apreciação rigorosa dos fatos, poderia incluí-lo no esquema existente, mas a nação de tal maneira ficou chocada que fez exatamente o que dela se esperava: aproveitou-se da delação mas abriu generoso espaço para desprezar o traidor.
Sua pretensão de ser deputado foi agora barrada pelas legendas em que procurou, afobadamente, tentar o salto para a carreira política. A única e discutível credencial que possui é a de ser nome conhecido –como o de PC Farias.
Em tempo: eu estava fora do Brasil quando o Supremo tornou o ex-presidente inelegível até 2001. Faço agora meu comentário: se Collor for inocente, a punição é muita. Se for culpado, é pouca.

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