São Paulo, terça-feira, 11 de janeiro de 1994
Próximo Texto | Índice

Mudanças para mudar

O Brasil parece ser um país em que as importantes reformas estruturais que se fazem já urgentes estão irremediavelmente fadadas à superficialidade e à languidez. Do processo autodepurativo por que passa o Congresso e que já começa a dar sinais de frouxidão ao plano econômico com que quase todos concordam, mas quase ninguém se empenha em implementar, tudo sugere que o Brasil é uma nação em que as coisas não são para valer. É como se, por aqui, as mudanças apregoadas como essenciais servissem exclusivamente para que as coisas permaneçam como estão.
O mais novo exemplo desse grotesco espetáculo de hipocrisia política e escancarado casuísmo começa a tomar corpo no Congresso Revisor. Trata-se da manobra para permitir que os candidatos às próximas eleições possam ainda trocar de partido, apesar de o prazo previsto pela lei vigente ter acabado anteontem.
Uma tal iniciativa anda em flagrante contradição com o próprio discurso das principais lideranças da quase totalidade dos partidos políticos, que já há tempos vinham proclamando a necessidade de fortalecer as agremiações, condição de resto absolutamente necessária para a consolidação da democracia no Brasil. Pretender agora recuar no que era um dos poucos e tímidos passos da atual legislação no sentido de dar um pouco mais de importância às instituições políticas é colocar o mesquinho cálculo eleitoral –por qual agremiação eu tenho mais chances de me (re)eleger?– acima dos reais interesses do país.
Se hoje o Brasil encontra bom motivo de queixa e desconfiança em grande parte de sua classe política, isso se deve em máxima parte à falta de consistência ideológica de todos os partidos –com exceção apenas parcial para o PT. É evidente que, se os políticos tivessem de votar e agir segundo normas prévia e democraticamente determinadas por suas agremiações dentro de um regime de mais sólida fidelidade partidária, o hoje imenso flanco aberto para a corrupção e a fisiologia ver-se-ia enormemente reduzido.
Já é hora de os brasileiros tomarem consciência de que o centenário vício de colocar as conveniências pessoais acima dos princípios tem de ser extirpado do cenário político. É preciso que as mudanças anunciadas sejam de fato para mudar.

Próximo Texto: Descompasso
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.