São Paulo, terça-feira, 11 de janeiro de 1994
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Funk para mortos

ANTONIO CARLOS DE FARIA

RIO DE JANEIRO – No final da tarde de domingo, um Fusca circulava pela rua principal da favela de Acari tocando um funk em alto volume. Um requiém para os 12 mortos no mais novo massacre do Rio. O ritmo marcado e agressivo da música é tão alienígena quanto os moradores do local. Cidadãos de segunda categoria em seu próprio país.
Na noite do mesmo dia, um garoto foi morto na porta de um clube na Tijuca. Mais um na série de mortes em brigas entre gangues. O rapaz foi alvejado na saída de um baile funk. A música dos negros marginalizados americanos veio criar o laço de união nas tragédias dos marginalizados do Brasil.
Acari é aqui, e a Tijuca também. A favela do subúrbio distante se aproxima do bairro mais típico da classe média carioca. O funk desce do morro tijucano do Borel assim como é dançado na rua de terra da periferia. Quadrilhas de traficantes que se matam se refletem no espelho social distorcido das gangues de adolescentes que misturam diversão com agressão.
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A polícia diz que 11 dos 12 mortos de Acari eram ligados ao tráfico. A favela seria um dos maiores centros de venda de cocaína da cidade, daí o interesse de quadrilhas rivais na disputa dos pontos de venda. Nas fotos dos mortos há o mesmo figurino definido pela pobreza. Se há alguém ganhando dinheiro com o tráfico, certamente eles não estavam neste grupo.
Falando em fotos, uma imagem que já se tornou comum é a do "soldado" traficante portando uma arma de sofisticação inimaginável para a polícia. O fuzil AR 15, terror dos carros blindados, parece ter conquistado a posição de arma preferida pelas quadrilhas. O tráfico de drogas anda ao lado do contrabando de armas.
Na noite do domingo, a polícia foi logo avisada e chegou quando ainda havia tiros dentro da favela. Mas não entrou. O comando policial disse que isso não foi omissão, mas estratégia. Assim foram evitadas mais mortes.
Essa decisão foi a reprodução numa escala reduzida de uma política maior, centralizada pelos vários níveis de governo. Afinal, drogas e armas entram pelas fronteiras do país e chegam aos morros mais rápido que qualquer verba assistencial do Orçamento. E raramente são desviadas.

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