São Paulo, terça-feira, 11 de janeiro de 1994
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Por que não estão em pânico?

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – Perguntado ontem sobre se a inflação deste mês bateria nos 42%, o ministro Fernando Henrique Cardoso reagiu: "Isso é número de calçado". Mas, do jeito que o plano de combate à crise está andando, logo a inflação vai se aproximar dos 51% e ficar com nome de cachaça. E se, por acaso, situar-se ligeiramente abaixo dos 70%, é capaz de atingir sua mais completa tradução: a pornografia.
O mais incrível é que perambulam por aí especulações de que esse ano, dependendo da conjugação de desastres e omissão, o índice de preços passaria até mesmo dos 69%. Para completar o cenário, Itamar Franco dá mostras de desinteresse com a coisa pública, o ministro da Fazenda sofre boicote por ser candidato e o próximo presidente assume apenas no próximo ano.
Um fato, em especial, deveria provocar pânico. É que a imensa maioria das pessoas não está em pânico com a perspectiva de um coquetel de sucessão e explosão de preços. Basta ver o clima no Congresso –quem pudesse acompanhar os bastidores das negociações teria, inevitavelmente, uma sensação de orfandade.
A verdade é dura e simples: a elite política, empresarial e sindical não está promovendo a mobilização necessária e indispensável para equilibrar as finanças públicas. É só uma questão de vontade.
Discute-se, por exemplo, se os Estados e municípios perderiam US$ 3 bilhões com o corte nos gastos. Mas se esquece que, com a inflação, como mostrou a Folha em sua edição de domingo, os bancos absorveram US$ 17 bilhões. Um outro estudo, recém-lançado pelo economista Rubens Penha, da Fundação Getúlio Vargas, calcula que a perda da sociedade foi, no ano passado, de fantásticos US$ 33 bilhões.
A gritaria não é maior porque, em essência, quem paga mais são os setores mais vulneráveis –os mais organizados, inclusive os sindicais, defendem-se em maior ou menor grau. Nada parecido com o pobre coitado que nem sequer tem conta em banco e não consegue abrir uma caderneta de poupança. E gente só ganha destaque quando está morrendo de fome no Nordeste, provocando arrastão nas praias, roubos ou sequestros.
A falta de urgência e de pânico só mostra que, tirana ou outra exceção, estamos nas mãos de irresponsáveis.

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