São Paulo, quarta-feira, 12 de janeiro de 1994
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Uma dose de ética na medida da crise

BRAULIO MARCHIO

A crise brasileira não é episódica, nem o país é um Titanic condenado ao naufrágio. Há exageros nas duas posições extremadas. A situação não é desesperadora, mas também não se deve fazer tábula rasa dela. Ao Brasil compete aproveitar este momento de profilaxia moral para mudar –para prover o remédio certo, na dose certa– valendo-se do empuxo deflagrado pelo processo de depuração ética, que vem atingindo a classe política, o Estado, a elite empresarial e a sociedade. A crise, que agora pode ser vencida pela adoção de uma nova postura elevada pela probidade no trato com a coisa pública, tem sido responsável pelo empobrecimento do país e do povo.
Os desmandos, sem dúvida, contribuem para minar o nosso crescimento econômico, que depende de investimentos, nacionais e estrangeiros, do ajuste das contas públicas e de uma renegociação da dívida externa. A economia brasileira chegou a ter seu crescimento achatado significativamente, saltando de 7,1% de taxa média anual, na década de 70, para 1,8%, na década seguinte. A reação positiva, que se configura este ano, surge depois de um jejum de cinco anos e da entrada nos anos 90 com uma desaceleração da ordem de -4,3%.
Generalizada, a crise atinge o país em nível político, econômico e social, exigindo diagnósticos individualizados. Ao mesmo tempo que a crise institucional expõe as mazelas da cultura política, pode se transformar na avalanca de revitalização do Poder Legislativo, em função da recomposição dos valores éticos, fundamentais para a sedimentação partidária. Ainda poderá contribuir para o aprendizado da cidadania plena e da afirmação democrática por parte da sociedade civil, que não esconde sua perplexidade ante a falta de ética detectada em diferentes atores sociais. A rota de crescimento do país e da prosperidade dos brasileiros, desviada pela ilicitude, poderá, agora, ser retomada, por meio do melhor direcionamento dos recursos e estabelecimento de prioridades sociais.
Há sinais de esperança. A economia, apesar dos percalços dos últimos anos, caminha acertadamente em direção a reformas estruturais liberalizantes através da revisão constitucional. Embora proteladas, as mudanças na atual Carta também deverão contemplar dispositivos cada dia mais indispensáveis à modernização do país, que não pode ser feita sem se restringir a intervenção do Estado na economia, sem se acabar com a discriminatória distinção entre empresa brasileira e brasileira de capital nacional e sem uma reforma tributária em profundidade. Com leis ajustadas à realidade do mercado internacional, o país tende a crescer e a contar com novos investimentos, que caíram da média de 23,3% do PIB, na década de 70, para 16% em 90/91. Só assim poder-se-à reduzir a pobreza e as desigualdades sociais no país, reflexos de uma economia assentada em grandes desníveis regionais, em programas de investimentos ineficazes e em interesses corporativos.
Ainda no plano econômico, a própria inflação indica outro importante fator de desvio ético no Brasil. Primeiro, porque concentra renda num país com desníveis sociais tão profundos; segundo, porque inibe os investimentos internos e externos, sem os quais é impossível alavancar a economia; e terceiro, por corromper, moralmente, o Estado e a sociedade, pois desestimula a atividade produtiva e incentiva os oportunistas. A cultura da inflação corrói a determinação de se investir na produção e mantém sob ameaça as instituições. Por isso mesmo necessita ser mudada através de programas nítidos, de caráter duradouro, capazes de estabilizar a moeda, equilibrar as contas públicas e mudar a mentalidade dos agentes produtivos.
Seja qual for o ângulo enfocado, a solução para a crise brasileira, hoje, passa pela adoção sistemática da ética, compatibilizada com um projeto de democracia e desenvolvimento, cujo eixo básico está centrado na reforma do Estado e na reforma política. Esta correção de rota certamente colocará o Brasil em sintonia com o rítmo do Primeiro Mundo, que caminha no sentido de revalorizar as posturas éticas e a responsabilidade social.

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