São Paulo, quinta-feira, 13 de janeiro de 1994
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O engasgo do plano

JANIO DE FREITAS

Uma semana depois de prevista, pelo ministro da Fazenda, a antecipação de sua entrada em vigor, a Unidade Real de Valor – a cabalística URV pensada para ser a nova moeda – já não é uma certeza sequer para um futuro incerto. Está reduzida, na equipe econômica, a motivo de reconsiderações por ora inconciliáveis e com forte tendência a deixá-la no limbo, de onde só saiu como anúncio acelerador de preços e de inflação.
A idéia básica, exposta com o Programa de Estabilização apresentado em 8 de dezembro, era que a conversão do cruzeiro real para a URV se fizesse, no caso dos preços, pelo "pico" (o preço em vigor no momento da conversão), e, no caso dos salários, por uma tal média (salários menores do que os vigentes no momento da conversão). A aceleração dos preços está sendo de tamanha proporção, que parte da equipe econômica concluiu ser desastrosa sua conversão pelo "pico". Divulgou o propósito de convertê-los, também, pela média. A resposta empresarial foi imediata – e dispensa repetição.
Nem pelo "pico", nem pela média: a URV foi convertida em impasse. Sobre o seu nascimento, nos termos em que foi apresentada, não existe mais a mínima certeza. E é, ou era, a idéia central do Programa de Estabilização.
Os vencidos
A ausência de Orestes Quércia e o recuo de última hora do governador Luiz Antonio Fleury disfarçaram para uso externo, mas não evitaram no plano político, a caracterização de ambos como os dois grandes derrotados na reunião da cúpula peemedebista. Eram os proponentes do rompimento com o governo Itamar Franco, tese que nem pôde entrar na pauta e, ainda por cima, foi explicitamente contrariada pela concordância peemedebista em que o partido dê o líder do governo e integre o ministério.
Antes de se iniciar a reunião, na terça-feira, Fleury dizia que propôs "o rompimento em setembro, mas sustentava que tinha que ser naquele momento, depois não teria sentido", e por isso não proporia mais o rompimento. Isto não refletia, porém, sua posição de setembro e, sim, as sondagens sobre a tendência da reunião. Fleury iniciara a semana com a disposição de defender o rompimento, e o disse com toda clareza em entrevista à CBN. Quércia, que ainda no fim de semana fazia um esforço final de pregação do rompimento, preferiu colher a derrota à distância.
A percepção desta derrota não leva a concordar com as avaliações, ontem publicadas pela Folha sobre uma pesquisa do Datafolha, de que Orestes Quércia já está rejeitado pelo PMDB como candidato à Presidência. A pesquisa sondou preferências na cúpula do partido, que não pode ser tomada, no caso, como representativa do conjunto do PMDB. Primeiro, porque a candidatura reflete a Convenção Nacional e não a cúpula partidária, dois conjuntos que no PMDB, mais do que em qualquer outro partido, têm dificuldade de tocar a mesma música. Depois, porque a força peemedebista de Quércia nunca esteve na cúpula, mas nas bases municipais do partido, e na capacidade delas de se imporem nas decisões partidárias maiores. Das posições das bases municipais não se tem notícia recente, no entanto. Apesar do incontestável crescimento do prestígio de Antonio Britto no PMDB. E fora, aliás.
Iguais diferentes
Talvez haja razões legítimas para que o senador Mauro Benevides faça por escrito o seu depoimento à CPI. Entre elas não estará o motivo invocado pelo deputado Nelson Trad, encarregado de dar parecer sobre o pedido do senador: concorda, dado o cargo que Benevides exerceu (presidente do Senado e, por consequência, do Congresso).
A relevância de funções passadas de Ibsen Pinheiro não é menor: a Presidência da Câmara, a interinidade na Presidência da República e primeiro na linha de sucessão presidencial, em ausência ou inexistência, como hoje, do vice. Contudo, o deputado teve que passar pelo interrogatório direto e oral.
A convocação e o depoimento direto, por si sós, não são humilhantes para ninguém. O que daí resulte é que pode sê-lo, como pode equivaler a um atestado de honorabilidade. Esta obviedade tem sido ignorada pelos meios de comunicação e pela própria CPI, que devia expandir-se em demonstrações exatamente opostas aos melindres que exibe diante de certas convocações. E isonomia, igualdade de tratamento, é um princípio constitucional que a CPI ignora cada vez mais.

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