São Paulo, quinta-feira, 13 de janeiro de 1994
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Furnas, o desenvolvimento e o bem público

MARCELLO LIGNANI SIQUEIRA

Foi publicado, no dia 5 de janeiro último, neste espaço da Folha, o artigo "Furnas e o atraso", em que o autor faz afirmações deselegantes e errôneas sobre a empresa, seu desempenho e sua direção. Sendo Furnas empresa pública de competência reconhecida internacionalmente, cabe o restabelecimento da verdade e a reafirmação de que as posições defendidas pela empresa e por sua direção refutam o desmantelamento atabalhoado e irresponsável de toda uma estrutura produtiva que tem se demonstrado eficiente ao longo de quatro décadas.
Nossas colocações têm sido claras, sem subterfúgios, levantando questões técnicas que devem ser consideradas no debate público sobre o setor elétrico, cujo destino tem alta ressonância e reflexos no desenvolvimento econômico e social do Brasil. Nosso compromisso com o bem público pode desagradar ou irritar aqueles que querem aproveitar o dabate para dele auferir vantagens particulares ou oportunistas. Entendemos ser a defesa do patrimônio público nossa responsabilidade maior.
Furnas foi criada em 1957 para sanar uma falta crônica de energia elétrica que havia na região Sudeste do país. O Plano de Metas, proposto pelo então presidente da República, Juscelino Kubitscheck, previa grande aumento na capacidade de geração dessa região, visando não só atender a demanda reprimida já existente, mas também dar suporte às metas de desenvolvimento industrial. As concessionárias, que nessa época eram em sua maioria privadas principalmente no eixo Rio-São Paulo, preferiram não arriscar seu capital nesse projeto, optando por aplicá-lo em empreendimentos mais lucrativos e de menor risco político e econômico.
Desde então, a empresa vem cumprindo esse papel, mantendo seu desempenho nos mais altos padrões internacionais, tanto tecnologicamente quanto em relação a qualquer índice de eficiência que se queira cotejá-la. Por exemplo, caso se compare a quantidade de energia vendida por empregado, Furnas situa-se, indiscutivelmente, entre as empresas mais produtivas do mundo, com indicadores tão significativos como os da canadense Hydro-Québec.
Porém, a outra face desta história nos últimos anos foi a prática da irrealidade tarifária. Os baixos níveis de tarifa representaram uma perda de receita do setor elétrico que se caracterizou em subsídios aos consumidores. O volume destes subsídios acumulou mais de US$ 20 bilhões, descapitalizando as empresas de energia elétrica, inviabilizando seus programas de investimento, onerando o custo de suas obras e culminando com a ciranda de inadimplências que ocorreu até o ano passado. Como esses subsídios eram concedidos através das tarifas, é fácil entender que os grandes consumidores, especialmente os eletrointensivos, foram os maiores beneficiários.
Esta questão começou a ser solucionada em março de 1993 quando, no bojo da promulgação da Lei n.º 8.631, viabilizou-se o processo de recuperação tarifária iniciado em maio do mesmo ano onde, numa primeira etapa, foi estabelecido que as tarifas de suprimento retomariam o nível praticado em setembro de 1992. Esta etapa foi cumprida, fazendo com que a tarifa média de suprimento próprio de Furnas atinja, em janeiro de 1994, cerca de US$ 27/MWh, nível inferior ao praticado em setembro de 1992.
Este lento proceso de recuperação evidencia o cuidado com o consumidor. Cabe observar que todo ele é fiscalizado pelo Departamento Nacional de Aguas e Energia Elétrica (Dnaee), a quem cabe homologar as tarifas, ouvido o Ministério da Fazenda. A alegação de que este processo de reajustes contém aumentos abusivos está eivada de meias verdades, pois toma como base o nível tarifário mais baixo das últimas décadas: em maio de 1993 a tarifa de Furnas era de apenas US$ 14/MWh.
A migração de empresas eletrointensivas para países do Mercosul, "exportando empregos", como diz o articulista, não nos parece verdadeira. Em primeiro lugar porque a Argentina, através de seu ministro da Economia, vem reiteradamente dizendo que não pode concorrer com os produtos de fabricação nacional, devido à baixa tarifa de energia que se cobra no Brasil. Quanto ao Paraguai, não parece economicamente viável que ele vá ofertar energia abaixo do preço cobrado por Itaipu, a principal fonte de energia daquele país.
Furnas defende a participação privada no setor elétrico através de investimentos para conclusão de obras em andamento e assumindo responsabilidades que efetivamente levem ao aumento do parque gerador. Furnas é contrária à venda das usinas em operação, pois estas têm custo estrutural mais baixo e já foram parcialmente pagas pelos consumidores, possibilitando uma tarifa média mais baixa para todos os usuários do serviço público de energia elétrica. A venda destes ativos para uso privado significaria um grande benefício para estes compradores em detrimento dos demais consumidores, inclusive industriais, que teriam suas tarifas de energia elétrica necessariamente elevadas. Assim, a posição de Furnas defende o interesse público. É, ainda, corroborada por eminentes personalidades comprometidas com a história do setor elétrico como John Cotrim, Aureliano Chaves e Paulino Cícero, entre outros.
Portanto, a posição de Furnas é serena e embasada na ponderação que deve reger qualquer transformação a ser realizada num setor tão importante como o elétrico. Além disso, a empresa vem defendendo suas propostas para a sociedade com idoneidade e transparência.
Acreditamos, deste modo, ter restabelecido o real entendimento do posicionamento de Furnas, em contrapartida ao artigo do dr. Paulo Ludmer que, na assinatura do mesmo, esqueceu de incluir sua condição de diretor da Abrace (Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia), entidade que naturalmente busca conseguir tarifas baixas para as empresas a ela associadas.
Entendemos a difícil situação pela qual passam as indústrias eletrointensivas, haja vista os preços deprimidos que hoje seus produtos enfrentam no mercado mundial. Mas tentar repassar esses prejuízos para a sociedade, através de subsídios concedidos pelo setor elétrico, não nos parece a forma mais correta de resolver esse problema. A solução deve ser examinada à luz de uma política industrial brasileira, dentro do contexto de sua importância para o desenvolvimento econômico e social do país.

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