São Paulo, quinta-feira, 13 de janeiro de 1994
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Subindo nas paredes

CARLOS SARLI

Você já ficou amarrado numa solteira, subindo pelas paredes? Não? Então é porque você nunca experimentou as emoções do alpinismo.
Esporte que mereceu foto de capa há alguns meses na revista americana "Newsweek" e matéria esta semana na "Veja", ganha adeptos em todo mundo, inclusive no Brasil.
Estimulado por um amigo que é montanhista e instrutor de alpinismo, fui mês passado a São Bento do Sapucaí, interior de São Paulo, tentar a sorte no curso que ele ministra.
No sábado pela manhã, a chuva impediu que eu, Márcio (um aluno fazendo um estágio mais avançado) e o instrutor Eliseu Frechou praticássemos qualquer atividade. À tarde, o tempo melhorou e fomos para o campo-escola, à beira da SP-42. Já na primeira lição percebi que a mamãezada que eu imaginava ser um curso de alpinismo em dois dias era puro engano. Subi caminhando num "boulder" de aproximadamente 15 metros. Após a instalação do equipamento de segurança e o aprendizado de um nó em oito duplo, desci de "rappel" –tal qual você já deve ter visto em treinamento de bombeiro.
Após algumas repetições da descida, estava pronto para tentar o verdadeiro intuito: subir. Com Eliseu me fazendo a segurança em "top rope" (corda correndo por cima), comecei minha primeira escalada. Fui bem nos primeiros dois terços da pedra e embaçei na reta final. Não conseguia evoluir e a única coisa que subia, e forte, era a adrenalina no meu sangue. Estava a uns dez metros de altura. Meus braços começaram a ficar duros até que... fiquei pendurado na corda de segurança. Depois de perceber que o equipamento funcionava e relaxar do susto, acabei fazendo esse e um outro boulder do campo-escola. No domingo o sol saiu forte. Pegamos o Fusquinha do Eliseu, alguns sanduíches, frutas, cantis, todo o equipamento (que não é pouco), e fomos na direção da Pedra do Baú. Na verdade, o objetivo era uma parede ao lado –Ana Chata– de uns 250 metros. Estacionamos o carro após a subida de uma pequena serra e caminhamos por mais uns 40 minutos entre pastos e riachos, onde abastecemos nossos cantis, até a base da parede.
Ao chegarmos, por volta das 9h30, constatamos que a "via" ainda estava bastante molhada da chuva do dia anterior. Esperamos o sol esquentar e secar o caminho. Não deu jeito e, após uma hora e meia, a humidade persistia. Tivemos que optar por outra via. Pior para mim, a primeira era mais fácil. Quando vi o tamanho da encrenca, não perguntei se o nosso objetivo era o topo, só fui indo. Cada enfiada de corda tem 50 metros. Eliseu permitiu que Márcio guiasse duas delas. Ele ia na frente preparando as seguranças móveis e passando a corda também nos grampos fixos. O começo dessa via, denominada Lixeiros, de grau de dificuldade cinco (médio), é o mais difícil. Após a segunda enfiada de corda, o gado no pasto já representava uns pontinhos se mexendo lá embaixo. A essa altura, literalmente, o instrutor comentou que faríamos o topo e depois desceríamos por uma trilha do outro lado da pedra. Eu, que já pensava em voltar dali mesmo, tive que ir me preparando psicologicamente para mais três enfiadas. Outros 150 metros. Para minha felicidade, apesar de estar vendo a copa das árvores cada vez mais distantes, essa parte da escalada foi mais tranquila. Já mais seguro com os movimentos, com o equipamento e vendo o topo se aproximar, fui ganhando confiança.
A sensação de conquista da chegada é gratificante. Com o visual alucinante de uma tarde já avançada, fizemos um lanche e partimos para a trilha, que também não é nenhum passeio. Na volta, entre outras, passamos por uma caverna repleta de morcegos e trechos onde, ao invés de caminhar, você desliza, às vezes nos pés, outras não raras vezes de bunda.
Em tempo: solteira, rabo de vaca ou cordino, é o nome do cabo que lhe ancora à montanha nas paradas.

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