São Paulo, quinta-feira, 13 de janeiro de 1994
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O calvário do PT

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Não é o cadáver que produz a crise. É a crise que produz o cadáver. Isso serve para todos os crimes políticos, desde o de César ao do major Vaz, que teve sequela no suicídio de Vargas. Passando pelo assassinato de João Pessoa, antecedente episódico, mas não causa, da Revolução de 30.
O PT está em crise. Não por causa da morte de um sindicalista ou da CPI que será instaurada para apurar irregularidades na CUT. Nem mesmo pelas acusações que começam a pipocar de todos os lados contra a sacralidade do partido.
O clima de frente ampla de oprimidos e intelectuais que deu sustentação e ampliação ao PT está se fragmentando. O PT sabe que sua hora é agora, na sucessão de 95. Se perder a vez perderá o bonde. Não dá para amarrar tantas discordâncias de estratégias e tática, tamanhas desavenças ideólogicas e pessoais.
As cabeças mais responsáveis do partido já sofreram a poluição burguesa do poder e do prestígio. Estão em outra. As bases continuam querendo bagunçar o coreto, mas esbarram nas colunas que sustentam e conservam o edifício. Não me refiro à possibilidade de suspeitos escândalos ou crimes –não será por aí que o PT perderá o charme que o tornou importante nos lances da recente história do povo brasileiro.
A bola da vez será alguma coisa que vem se formando no inconsciente das classes oprimidas, dos grupos marginalizados que incluem vegetarianos, naturalistas, aidéticos, ecólogos e chatólogos de diversos tamanhos e feitios –sem esquecer os intelectuais que estão sempre esperando uma carona para darem a impressão de que seguem o "vento" da história.
De tal forma o PT cresceu que foi obrigado a organizar-se. A organização gerou a nomenclatura, a burocracia partidária. Tal como o velho Partidão, que gozou e sofreu das mesmas circunstâncias e se esfacelou, o PT, com Lula ou sem Lula no poder, já não será o mesmo.
A morte do sindicalista Cruz Filho, guardadas as proporções, equivale talvez à morte daquele arquiduque de opereta em 1914. Ninguém matou ou morreu por causa dele. Para o PT, Cruz pode representar o fim de uma era, mas, desde já, é um calvário.

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