São Paulo, segunda-feira, 17 de janeiro de 1994
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Romance descreve corrupção nos EUA

Autor era neto de um presidente

MARCO CHIARETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Política podre não é privilégio do planalto central do Brasil. Em 1880, Washington, a capital dos Estados Unidos, estava cheia de políticos, funcionários e empreiteiros. E corruptos, como conta o historiador e ensaísta norte-americano Henry Adams (1838-1918) em seu "Democracia".
Adams era neto de um presidente dos EUA. Como se isso não bastasse, era bisneto de outro. Seu pai foi embaixador. Os Adams que preenchiam cargos na alta burocracia do país encheriam sozinhos um almanaque. Conhecia como poucos o poder. Escreveu "Democracy", um romance, anonimamente. Faz sentido que não quisesse ser reconhecido. O livro é uma análise sofisticada e arrasadora do sistema político dos EUA no fim do século 19.
A personagem central é uma mulher, Madeleine Lee, viúva aos 30 anos, que resolve deixar Nova York –cenário da obra-prima de Edith Wharton, "A Era da Inocência", que acaba de virar filme de Martin Scorsese– e ir para Washington, "tocar com a própria mão a maquinaria gigantesca da sociedade". É uma mulher ambiciosa, culta, sensível e honesta.
Em seu caminho pelos corredores do Congresso encontra o honorável Silas P. Ratcliffe, senador pelo Estado de Illinois e candidato derrotado à candidato à Presidência (por três votos). Ratcliffe é o homem-forte da República, o manda-chuva, o personagem que azeita a máquina. E é um corrupto.
Não é um ladrão qualquer, desses de receber propina ou vender influência ou criar quadrilhas para tomar posse com seus PCs, prepostos e clientes a máquina do Estado. Vive modestamente, em uma pensão. Parece não se importar com bens ou consumo. Estamos em 1880, e o mundo do jet-sky, Herms e Logan 12 Anos ainda não nasceu. Para Madeleine (e para Adams), Ratcliffe é corrupto porque só acredita em duas coisas: no poder e nele mesmo. O dinheiro faz parte do jogo, mas não é um fim em si.
Adams retrata primorosamente a contínua decepção de Madeleine, cuja noção de democracia é simplória mas pura, durante seu aprendizado. Ela não sabe que "a democracia, se corretamente entendida, é o governo do povo, pelo povo, para benefício dos senadores".
Ratcliffe se apaixona, à sua maneira, pela bela viúva. Não dá certo. Acaba descoberto, mas não vai preso, é claro, até porque não cometeu nenhum "crime": não há provas. Vende influência, retém projetos em sua comissão, é subornado pelas empresas, mas ninguém sabe, ninguém viu. Madeleine fica sabendo e chuta o senador. E não era motorista. No final ela diz que a democracia deixou seus nervos em frangalhos, e que a maioria acharia que ela errara.

Título: Democracia
Autor: Henry Adams
Tradutor: Ruy Jungmann

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