São Paulo, segunda-feira, 17 de janeiro de 1994
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O gosto amargo do atraso

ANTONIO CABRERA

"Não é preciso mais do que um gole para saber que gosto tem o mar".
A. Soljenitsin

Sou a terceira geração de uma família de imigrantes espanhóis que aqui aportaram, no final do século, para a construção de suas novas vidas em pátria estranha. Se a realização de seus sonhos se deu com muito trabalho na abertura de terras brutas à base do machado, a minha geração terá um desafio semelhante, no Brasil do século 21: desbravar o sertão do conhecimento.
Antes de mais nada, deve-se esclarecer que são os jovens os autênticos proprietários do futuro. E esse amanhã será nosso, se formos detentores do conhecimento, pois o dono da informação é o dono do poder.
A informação já é a mais poderosa e a mais eficaz das armas. O nível de poder de uma nação será avaliado pela capacidade de seus cidadãos transmitirem conhecimentos da maneira mais rápida possível a outros. Em espantosa constatação, acredita-se que o conhecimento do homem dobre a cada cinco anos.
As estatísticas são incontestáveis: em 1960, foram efetuados 2 milhões de ligações telefônicas entre os Estados Unidos e a Europa Ocidental; para em 1987 esta cifra saltar espetacularmente para 707 milhões de ligações completadas. Estima-se que a população do planeta dispenda cerca de 40 bilhões de minutos no aparelho telefônico por ano, em chamadas com outros países.
Neste ponto, a sociedade experimenta o primeiro sabor do retrocesso: devido ao monopólio estatal de alguns países, o usuário paga aproximadamente US$ 10 bilhões a mais, por ano, em ligações internacionais. Reforçando, em alguns países da CEE, uma chamada entre países membros chega a custar até seis vezes mais do que chamadas nacionais de longa distância. No Brasil, a situação é idêntica: uma ligação telefônica custa mais caro do Brasil para os Estados Unidos do que sua similar em sentido contrário. O resultado é que o monopólio estatal brinda-nos com uma das mais altas tarifas telefônicas do mundo.
A própria Cuba comunista privatizou seus serviços celulares em 1993, com a Italcable, enquanto na nossa vizinha Venezuela a entrada do setor privado, em menos de dois anos, incrementou o número de assinantes em 900%. Enquanto isso, continuamos saboreando o indigesto prato da ignorância. O conhecimento, matéria-prima do progresso, é transmitido pelos nossos meios de comunicação a uma velocidade cem vezes mais lenta, a um preço cinco vezes mais caro do que nos EUA e Japão.
Num mundo em que os países não são mais divididos em grandes e pequenos, mas sim em rápidos e lentos no processamento da informação, o Brasil mal pilota um "kart" numa corrida de Fórmula 1, pois nossa defasagem tecnológica é imensa. As centrais telefônicas são antigas e com apenas 24% delas dotadas de tecnologia digital. O Chile, um dos pioneiros na privatização do setor de telecomunicações, triplicou sua rede após a quebra do privilégio estatal, e detém um dos mais elevados graus de digitalização das telecomunicações das Américas (83%).
Enquanto o mundo já vive por completo a geração do telefone sem fio, pois hoje sua instalação já custa um terço das redes por cabo, o Brasil, embora assentado na cadeira de 10.ª maior economia mundial azeda-se com a classificação de 42.º país em densidade telefônica (linhas por cem habitantes). E como não podia faltar, há exemplos cômicos: a última lista de assinantes do Rio de Janeiro, editada pela Telerj, é de 1986.
Já é passada a hora. A minha geração não pode mais "esperar acontecer" alguma mudança. Para aqueles que sonham com uma nação mais justa, os dados da ONU são irrefutáveis. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), numa pesquisa em 52 países durante 14 anos, cada 1% no aumento da oferta de telefones resultou num aumento de 3% na renda per capita dos referidos países.
O Brasil muda quando o brasileiro mudar. Para isso, basta querermos, pois já conhecemos o sabor do atraso estatal. Mas no futuro, mais cedo ou mais tarde, teremos a participação do setor privado em nossas telecomunicações. Afinal, não se trata de sermos contra a Telebrás, mas sim de sermos a favor do Brasil.

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