São Paulo, segunda-feira, 17 de janeiro de 1994
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Propaganda ou massacre?

FLORESTAN FERNANDES

Estamos na "fase fria" da propaganda eleitoral. E já são nítidos os traços de truculência, difamação e luta suja que teremos pela frente. A falta de decoro, de integridade e civismo explodem na pior forma possível, como se os políticos conservadores fossem moldados pelo perfil de Collor.
Políticos profissionais de larga experiência e cujo passado com frequência se confunde com a defesa do "golpe militar" e a opressão da ditadura, maculados até as raízes dos cabelos, preferem destruir os adversários a medirem-se com eles produtivamente. De um deles se diz que foi "purificado" pelo voto. Ganhou uma eleição, multiplicando promessas que não iria cumprir (o que já ficou comprovado) e ressuscitando métodos "legitimados" pelo banho eleitoral.
Culpam-se a "falta de memória" e a "passividade" do eleitor humilde. Essas justificações possuem uma evidente razão falsa. O certo seria indigitar-se a "cultura da ignorância". Não é à toa que se promove a degradação dos professores, o desmoronamento dos sistemas escolares e a desmoralização do ensino público gratuito de qualidade. A desumanização das massas de estudantes pobres opera como a condição necessária para a morte cívica do eleitor. Persistem outras modalides de "eleitores de cabresto". Mas esse é o requisito número um do baixo nível de consciência cívica e de opção eleitoral. Um eleitor destituído de cultura reduz-se a um joguete. Vende o voto, troca-o por favores, trafica-o por promessas eleitorais inexequíveis etc.
O aspecto mais negativo desse quadro chocante mostra-se na negação do político profissional em seus papéis educacionais. Ele se enterra junto com a esperteza de caçador de votos; ou, pelo menos, anula o seu dever político nitidamente educacional, de servir de elo entre a formação da consciência social especificamente política (ou político-partidária), de firmeza ideológica dos partidos e de elaboração de campanhas eleitorais criadoras. Empobrece-se ele próprio como agente, pois enquanto corre atrás do voto por qualquer meio contrai os vícios do eleitor deformado.
Por aí se evidencia o resultado final. Ou o político metamorfoseia-se em dínamo dos interesses das elites das classes dominantes ou contrai o estigma de "inimigo da ordem" (condenável como tal). O caso de Luiz Inácio Lula da Silva é exemplar. Os políticos e partidos opostos não compartilham com ele o espaço eleitoral. Querem massacrá-lo, excluí-lo da pugna política; retratá-lo à ótica dos eleitores como mal em si irreparável. Sabem que há uma ética política no PT. Ela impede a Lula qualquer intercâmbio espúrio e que ele, por sua vez, obriga-se a ser um dos paladinos dessa ética. As lutas dos oprimidos repudia a política da selva. Eis o desafio que Lula precisa arrostar e, desta vez, vencer.

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