São Paulo, segunda-feira, 17 de janeiro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O império das meias-verdades

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

SÃO PAULO – A verdade é a seguinte: se investigações sobre irregularidades com dinheiro público, enriquecimento ilícito e atendimento de interesses privados pela máquina governamental fossem levadas a fundo em todos os níveis, não apenas entre alguns parlamentares, mas nos planos estadual e municipal, no Executivo e no Judiciário, seria mais fácil gradear o país e pedir para algumas boas almas ficarem do lado de fora.
A corrupção, em sentido amplo, é uma instituição nacional. E o que se vê hoje é uma nervosa tentativa de acerto para se estabelecer limites "a essa loucura" de querer uma sociedade honesta. O texto de alguns e o subtexto de muitos é um claro manera, Frufru, manera. É preferível o império das meias-verdades.
Quércia já apresentou a sua: uma meia-prestação (nem todas as suas empresas foram auditadas pela Trevisan) de contas, que "convenceu" a direção do PMDB e autorizou o ex-governador a candidatar-se ao Planalto.
O clima de deixa disso também cercou o nobre parlamentar Ibsen Pinheiro. Segundo versões apressadas, logo depois de seu depoimento, Ibsen teria sido "convincente" na CPI. "Só" não explicou a compra de um apartamento em dólar –normal, aí também é querer demais. Outros nomes, ligados a indícios de irregularidades foram poupados da quebra do sigilo bancário. Deixaram Roseana Sarney, "la estonteante", e seu simpático pai saírem de fininho. Miguel Arraes, PT saudações.
O pânico com as apurações não afeta apenas a classe política. Dissemina-se entre setores do empresariado. Imagine se a onda moralizadora, com seus "excessos", acabe batendo na praia dos costumes gerenciais nacionais. Deus o livre. A Itália que o diga. A operação mãos limpas é um filme de horror para boa parte das elites brasileiras. Das apurações do caso PC, muitos empresários acabaram se safando já que parece ter prevalecido o argumento de que não eram corruptores, mas vítimas de um achaque por parte da máfia do setor público. Será? Até que ponto?
O fato é que a delicadeza do assunto e o peso dos envolvimentos vão levando nossa operação mãos limpas para uma operação "mãos sujinhas". Já é alguma coisa –o que não deixa de ser uma meia-verdade.

Texto Anterior: Brasil, um escândalo sem mordomos
Próximo Texto: Propaganda ou massacre?
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.