São Paulo, segunda-feira, 17 de janeiro de 1994
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Como demonstram as pesquisas

LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA

No segundo turno das eleições presidenciais de 1989 houve um debate na Folha entre os dois principais economistas dos dois candidatos, Zélia Cardoso e Aloísio Mercadante. Roberto Campos e eu fomos também convidados. Naquele dia manifestei meu apoio a Lula, que o meu partido, o PSDB, confirmaria dias depois, e disse mais ou menos o seguinte a Campos: "Roberto, você e as elites brasileiras vão votar em Collor. Acho esta decisão muito mais arriscada do que o voto em Lula. Podemos discordar dele. Mas o conhecemos. Sabemos que é um homem pronto para negociar, que jamais pretenderá governar sem o apoio da sociedade civil. Enquanto isto, Collor é um total desconhecido, um salto no escuro". Campos, refletindo o sentimento do conservadorismo nacional, entretanto, vetava politicamente Lula, e previa as piores desgraças para o Brasil caso ele fosse eleito.
Cinco anos depois, Campos continua na mesma linha de raciocínio. Em entrevista a "O Estado de S. Paulo", declarou-se atemorizado com a possível eleição de Lula, que representaria um atraso de dez anos para o Brasil. A diferença em relação a 1989 está em que agora seu apoio não vai mais para Collor; limita-se a Maluf.
Meu candidato à Presidência da República não é Lula nem Maluf, mas Fernando Henrique Cardoso ou Tasso Jereissati, que são dois homens profundamente comprometidos com a distribuição de renda e a modernização do Brasil. Lula, embora seja pessoalmente moderno, terá problemas devido ao nacionalismo dos anos 50 e ao corporativismo estatal que ainda dominam amplos setores do PT. Mas Lula tem declarado com insistência que, caso eleito, governará não apenas com os trabalhadores, mas também com os empresários e as empresas multinacionais, em relação às quais sempre teve uma atitude claramente favorável. Haverá, certamente, um período de aprendizado. Erros serão cometidos. Mas não há razão para maiores temores, muito menos para afirmar que o Brasil atrasar-se-á dez anos.
Atraso de quase 15 anos já está tendo o Brasil desde 1979, quando políticas irresponsáveis –de Brasil Grande– do governo autoritário desencadearam a crise da dívida externa e, em seguida, a crise fiscal e a estagnação econômica. Crise essa que, a partir de 1985, os governos democráticos, desfigurados pelo populismo e/ou pela corrupção, não conseguiram resolver. Ora, não há ninguém mais identificado com essa política de Brasil Grande do que o candidato de Roberto Campos.
Sabemos que os dois grandes problemas que enfrenta a economia brasileira hoje são a crise fiscal do Estado, que serve de base para a alta inflação, e a terrível concentração de renda, que inviabiliza qualquer projeto modernizador. Ora, Paulo Maluf, na Prefeitura de São Paulo, vem repetindo as políticas dos anos 70 com uma forte dose de populismo de direita, e está contribuindo ativamente para aprofundar a crise fiscal e a concentração da renda. É provavelmente por isso que as pesquisas de opinião pública revelam que é um dos prefeitos pior avaliados do país, e que seus índices apoio para a Presidência estão em queda.
Sua administração está baseada em grandes e caríssimas obras viárias. É evidente que essas obras não podem ser financiadas apenas com os impostos, apesar do aumento a que foram sujeitos em sua administração. São, portanto, também financiados através do aumento da dívida pública interna e externa, com bancos e empreiteiras, da Prefeitura. Ora, aumento da dívida pública é sinônimo de déficit público para qualquer economista minimamente informado. O déficit público é constituído pelas despesas públicas que não foram financiadas por receitas correntes do Estado. Entretanto, como para as prefeituras e Estados da federação este cálculo não é normalmente feito e publicado, os representantes do prefeito na Câmara Municipal não hesitam em afirmar que o déficit da Prefeitura de São Paulo em 1993 foi de apenas 6%. Ao afirmar isto, estão se referindo aos atrasados e restos a pagar do Orçamento municipal. Déficit público é outra coisa, e certamente está sendo alto na Prefeitura de São Paulo.
Além dessa forma indireta –via aumento do déficit público– a administração Maluf vem contribuindo diretamente para a aceleração da inflação ao quase dobrar, em termos reais, os preços das passagens de ônibus em São Paulo.
Por outro lado, essas políticas têm um forte componente concentrador de renda. No caso dos preços do transporte urbano, esse efeito concentrador é direto. No caso das grandes obras viárias, indireto, mas muito forte, e duplo. Em primeiro lugar, essas obras atendem principalmente aos proprietários de automóvel, e, no caso da obra mais cara, o túnel sob o rio Pinheiros, aos bairros de alta renda. Em segundo lugar, elas levam a Prefeitura a reduzir seus gastos em educação e saúde, que interessam diretamente as populações mais carentes.
Maluf acredita, obviamente, que, uma vez prontas, estas obras lhe trarão a popularidade que deseja para poder candidatar-se à Presidência da República. Que o que o povão deseja ver são grandes obras. Mas, como demonstram as pesquisas, ao pensar assim o candidato de Roberto Campos está subestimando esse mesmo povo, que já aprendeu que mais importantes do que grandes obras é uma administração austera e socialmente orientada, que contribua para o fim da inflação e para uma distribuição menos desigual da renda.

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