São Paulo, quarta-feira, 19 de janeiro de 1994
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O conceito de atraso no setor energético

ANTONIO CARLOS BONINI DE PAIVA
Contraditório o artigo de Paulo Ludmer, publicado neste jornal em 5 de janeiro último, com o título "Furnas e o atraso". O autor afirma que é "atraso" o setor elétrico querer "aumentos reais de tarifas" para seu produto e que é hora de encontrar o "caminho da reinserção do país na economia mundial". De qualquer forma, aquele artigo traz à tona uma boa oportunidade para um reexame de providências políticas nos países desenvolvidos na década de 70.
Estados Unidos, Japão e outros contornaram a crise energética e suas consequências, procurando reduzir a relação entre o crescimento do consumo de energia e o crescimento do PIB. Não por coincidência, enquanto esta relação se reduzia lá, aumentava aqui, no Terceiro Mundo, especialmente no Brasil. Ao lado de eficientes programas de conservação de energia, aqueles países redirecionaram suas políticas para a indústria de ponta, serviços e tecnologia e se livraram das eletrointensivas (que se mudaram para cá), por sua característica intrínseca de agregarem baixo valor à produção e gerarem poucos empregos.
Aos interessados em números sugerimos pesquisarem bibiliografia específica, não difícil de ser encontrada. Há constatações que talvez surpreendam a poucos e que muitos fazem questão de ignorar. Exemplos ao acaso: entre 1978 e 1987, o setor siderúrgico brasileiro aumentou sua produção em 83% e em 8,8% os empregos gerados. Todos os eletrointensivos são passíveis da análise, de fundamental importância, sobre a relação consumo de energia - exportação - geração de receitas - PIB - criação de empregos.
Em 87, o país exportou 19 mil GWh de eletricidade agregada a produtos eletrointensivos, ou seja, 10% do consumo total ou 18% do consumo industrial brasileiro. Trata-se de uma transferência da produção equivalente a uma hidrelétrica de 5.000 MW instalados, quase a metade da Itaipu. Um investimento público próximo a US$ 10 bilhões, a preços da época, somente para atender a este tipo de exportação. O Brasil se endividou pesadamente e, em geral, a receita dos produtos importados não cobriu sequer os juros dos empréstimos internacionais destinados ao aumento de produção de eletricidade, para atendê-los.
Enfim, o espaço não permite aprofundar séries históricas ou discorrer sobre o fechamento de todos os "ralos por onde vaza o dinheiro público". Nem falar de Tucuruí, das tarifas subsidiadas, do nível de endividamento do setor elétrico, da poluição e dos impactos ambientais, dos contratos de fornecimento por 20 anos, a preços quase simbólicos, da isenção do empréstimo compulsório, como "incentivo" à "industrialização" que se "escolheu" para o país, nesta famosa década de 70, em que a democracia era sólida, por exemplo, nos Estados Unidos. Não no Brasil.
Há muito o que fazer na política energética e industrial. O Brasil precisa de atividades que gerem milhões de empregos. O Estado brasileiro não pode mais investir maciçamente em produção de energia elétrica. De agora em diante, será necessário "desgrudar" do governo. Quem quiser muita energia, a preço baixo, precisará colocar a mão no próprio bolso e construir usinas. Ser autoprodutor e, quem sabe, conseguir produzir o MWh a até menos que os apregoados US$ 25.
De fato, o "oceano inesgotável formado por contribuintes e consumidores do Sudeste" está exaurido, principalmente para subsidiar exportação de eletricidade agregada e a preços abaixo do custo. A máquina do Estado precisa enxugar gorduras, sim, de todos os tipos e sem exceção. Os "folclóricos barnabés" devem se tornar mais produtivos, da mesma forma que os floclóricos lobistas precisam apreender a não menosprezar a inteligência alheia. É preciso ética onde primam a racionalização e a produtividade!

ANTONIO CARLOS BONINI DE PAIVA, 41, engenheiro eletricista, é presidente da CESP (Companhia Energética de São Paulo).

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