São Paulo, quarta-feira, 19 de janeiro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Livro desvenda o boato, a 'mãe' de todas as mídias

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

Ele está em todos os lugares. Propaga-se com tanta facilidade quanto desaparece sem deixar vestígios. Ele é, segundo o francês Jean-Noel Kapferer, o mais antigo mídia do mundo. O mercado negro da informação. Diz que... estamos falando sobre o boato.
Publicado na França no final dos anos 80, "Boatos - O Mais Antigo Mídia do Mundo" chega agora ao Brasil. Trata-se de estudo acadêmico, seriíssimo mas apaixonado, sobre o assunto. Procura compreender como nascem e morrem as falsas notícias. Apresenta as mais diversas teses para concluir: o boato é incontrolável.
Os primeiros estudos sistemáticos sobre o boato datam de meados dos anos 40 e são feitos por pesquisadores norte-americanos, impressionados com a quantidade de falsas notícias –e o efeito delas sobre as tropas e a população– durante a 2.ª Guerra Mundial. "Em tempo de guerra, o inimigo e sua orelha mítica –a quinta coluna– poderiam perceber alguma verdade oculta através do boato", escreve Kapferer.
Presidente de um certa Fundação para o Estudo e Informação sobre os Boatos, o autor acredita que "o boato é frequentemente uma produção social espontânea, sem definição nem estratégia." Para demonstrar, Kapferer detalha um boato muito famoso, que correu o mundo no final dos anos 60, sobre a morte de Paul McCartney, então integrante dos Beatles.
Em 12 de outubro de 1969, uma pessoa que se identifica como Tom liga para uma rádio em Detroit (EUA) e diz que, ao fundo da canção "Strawberry Fields", no disco "Magical Mistery Tour", é possível ouvir John Lennon murmurar: "I buried Paul" (eu enterrei Paul).
Dois dias depois, um jornal em Michigan (EUA) anuncia que McCartney tinha mesmo morrido. Entre outros indícios, o artigo "mostra" que, na capa do LP "Abbey Road", Lennon aparece vestido como padre, Ringo Star está de preto e lembra um papa-defunto e McCartney está atravessando a rua descalço (os mortos estão sempre descalços nos rituais tibetanos, muito em moda na época). Além disso, o Fusca ao fundo da foto tem a placa 28 IF –a idade que McCartney teria se (if) estivesse vivo.
O boato se propaga com tal força que quando McCartney aparece na capa da revista "Life" para desmenti-lo, a coisa não funciona. Trata-se de um sósia do cantor, ouve-se. Esse novo boato ilustra para Kapferer outra regra clássica: os desmentidos normalmente informam as pessoas sobre um boato que elas desconheciam e, assim, podem causar um efeito bumerangue, dando um novo fôlego à falsa notícia.
"Pode-se acabar com um boato?", pergunta –sem responder– o autor. De olho no efeito bumerangue, pessoas ou empresas atingidas devem fingir que ignoram o boato. Mas nem sempre é possível. Kapferer relata que a rede de fast-food McDonald's teve de apelar à publicidade, nos EUA, para negar que preparasse seus hambúrgueres com carne de minhoca (o quilo de minhoca custava cinco vezes mais caro que o de carne, informaram na época).
Kapferer encerra o livro relatando o esforço, bem-sucedido, da atriz Isabelle Adjani de negar que estivesse com Aids ("o" boato deste fim-de-século). Isabelle convenceu os franceses após aparecer na TV, domingo à noite, em horário nobre, ao lado de um médico. "O mesmo boato pareceria aberrante se fosse com Catherine Deneuve", escreve Kapferer. Parece verdade.

Livro: Boatos - O Mais Antigo Mídia do Mundo
Autor: Jean-Noel Kapferer
Preço: CR$ 7.500,00

Texto Anterior: Banton volta com seu reggae "positivo"
Próximo Texto: 'Caso Tancredo' é analisado
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.